BRADO D'ARMAS
(Poema vencedor
da Reculuta da Arte Nativa)
FRANCISCO MIGUEL SCARAMUSSA
Eu tinha treze anos
quando me resolveram que eu iria estudar...
mui longe... no povo...
Minhas pilchas, a mãe passou pro irmão mais novo...
As puas e o rebenque “de luz” pachola, meu pai entregou também...
Nesse tempo, entendia tudo e todos da minha gente...
o linguajar nativo, o guapo entono de liberdade.
De como a lida de campo lembrava aprontes pra luta.
A cumplicidade campeira do trabalho
desde o relincho de baguais até o tilintar cadenciado das esporas.
E os ideais mais simples tinham atropelos de cascos, na fartura!
Havia respeito e dignidade à memória da tradição.
Se enfrenava a defesa irmanada de idéias que honravam vidas,
onde a lei se emponchava nestas razões que pariam tauras...
E essa magia legada me fazia sorrir!
E eu era feliz!
Mas chegou o dia da partida.
Os vizinhos mais velhos encorajando...
- Volta doutor! Professor! Militar! Ou até padre!
É dos nossos! Tem brado d'armas, o piá!
E os tios: - Escreva... mande notícias.
Se “percisá” de alguma coisa, também...
E o pai: - Filho, seja sempre honesto, leal e franco!
E os avós: - Quando te largarem de férias... visita a gente!
O flete esperança ia encilhado, embodocado por dentro,
como se rosetas lonqueassem a alma na despedida.
Depois... quartiei rondas nas letras,
repontei horizontes nos livros
com ganas de conhecer melhor os homens e o mundo.
Tropiei nas ciências, me encontrei pedaços.
No rodeio dos números me achei um zero.
Cada dia entendia menos...
Galopei nos verbos até o “perder identidade”.
Campiei na história e topei um chasque:
“Deus fez o campo, os homens fizeram a cidade”.
Perdido nela, meu potro saudade relinchava embretando solidão.
Nunca mais voltei pra minha gente.
Nas noites escutava as vozes dos poetas gaúchos, também saudosos,
que em bordoneios sentidos e no ressongar aflito da cordeona
pediam socorro ao infinito...
Com os mesmos anseios fui bebendo a luz das estrelas,
com o silencio do sereno, em rondas sem escalas.
De tanto olhar pro céu nestas noites do pampa,
minha alma campeira criou asas... e fui subindo... subindo...
cruzei pelas “Três-marias” do pajé charrua... cheguei até a “Boieira”.
E vi que a labareda é formada por tições de ideais
e sentimentos da alma gaúcha!
Cerquita do fogo... na roda de chimarrão... muitos da minha gente...
Havia escoltas de centauros de prontidão,
com bandeiras farroupilhas em pontas de lanças.
E numa tarca, os brasões e legendas de cada herói do pampa...
O Senhor Tempo, patrão de todos os mistérios e segredos,
estava pilchado...
E seus olhos eram espelhos!
Neles, me vi o piá de treze anos, antes da partida.
E só a alegria me sorria ... refletida..
E as escoltas clamavam: - Brado D'armas.
Volta e repita – Brado D'armas.
Como ave grande, com asas de aurora,
hoje rumbeio para minha gente,
na recoluta de amor pela Querência,
com Brado D'armas...
... Brado D'armas!