DE
VISITA
Fabrício
Marques / Eduardo Muñoz
Antes
da aurora recolher o luto,
um
galo “bruxo”, ressuscitou “as casa”.
Trouxe
de volta água à cambona
e
um mate gordo para clarear as brasas.
...
Outro domingo de um agosto gasto
que
vem gelado - qual amor ausente...
Sorvo
“despacio”, a revirar o tempo
e o
que é passado já se faz presente...
O
braseiro vasto agranda o chiado,
como
pedindo: silêncio e respeito.
A
alma se aquieta, entendendo o recado,
indagando
o porquê desta ânsia no
peito...
Talvez
por saber dos causos antigos,
que
o fogo ao chiar anuncia chegada
de
alguma visita, da há muito distante,
que
por força do tempo nos foi
afastada...
Um
rangir de cancela quebrou a quietude
do
posto da estância, nessa madrugada.
Chamando
pra si, tamanha atenção,
que
até meu olhar perdeu-se na estrada...
De
longe a silhueta de dois negros vultos
que
assim por distante, pequena parece,
mas
que se agranda e estampa a figura
por
conta dos passos que aos poucos
investe.
Um
mouro crioulo “em pêlo e de tiro”
ao
lado um ruano “muy” bem aperado,
que
pelo entono e o embolo do tranco
deixou-me
a certeza de
“flor
de domado”.
Foi
quando então reconheci o semblante,
por
conta do vento que alçou-lhe o sombreiro
notei
em seus olhos, um certo “clarão”:
luziam
bem mais que o próprio palheiro...
Por isso entendi o silêncio do cusco,
que
alçou as orelhas, mas seguiu ao meu lado,
- O
instinto enxerga bem mais que visão
e
não late pra “aqueles” do seu agrado!
Boleou
a perna com alma e com jeito
e
“rumbiou” arrastando esporas no chão,
um
amigo que o tempo ainda permite
que
a alma e a voz lhe chamem de irmão.
Sorrisos
sinceros moldaram-se aos rostos
e a
mesma verdade no abraço cinchado,
depois,
cada um reviveu os seus olhos,
nos
outros dois, assim, espelhados!
As
cinchas já frouxas, os pingos à soga
e o
frio insistindo em mandar-nos pra dentro
pra
com gosto, jujarmos um mate novo
co’a
lembrança dos causos, dos velhos tempos.
Risadas
e vozes, fumaças e estalos
se
mesclam, quebrando, a paz do galpão
só
o cusco coleira, agora cochila
mas
põe-se em alerta, no estourar dum tição.
A
guitarra que há dias andava calada
guardando
o seu canto, num canto do galpão,
vem
dar “colo” a um corpo e uma alma
“embujada”,
traduzindo
em cantiga o mistério das mãos.
Neste
instante o silêncio tornou a imperar
para
ouvir as verdades de um coração,
até
mesmo o fogo cessou os estalos
e
Rio Grande se ouviu no ecoar da canção!
Com
a vista nublada: de emoção e fumaça,
picando
um naco já quase no fim,
um
voz meio rouca e um tanto embargada
ao
cevar mais um mate, sentenciou assim:
- A
terra nos cria, o mundo nos separa,
mas
a amizade é o esteio da vida, pra mim!
E
se até a guitarra dá-te às costas no abraço
é
só pra que cantes tua alma e fim...
A
cuia morena cumpriu o seu rito,
de
irmanar sentimentos, tão simples e puros,
e mostrou
que os amigos, são os olhos da alma,
que
a vida nos deu pra enxergamos no escuro!
O
mate de estribo encilhou o ruano
que
aos poucos sumia lá na invernada...
Ficou
o morito, outro potro pra doma,
e
se foi a certeza “de tiro” na estrada:
-
Que embora o tempo, por mais que separe,
não
apaga a essência que herdamos um dia,
pois
até a guitarra com as cordas distantes,
ao
sonar um acorde, ecoa... harmonia!