Uma Noite de Agosto
Eron Vaz Mattos
Que noite braba lá fora ...
Releio versos antigos,
delatores de outros tempos,
nos quais a alma bordava
- em tecidos de ilusões -
sonhos em lindos matizes
que pareciam tão fáceis
de pateá-los de à cavalo.
Pico um naco devagar
e o sentimento de xucro
me faz crescer a garganta!
Restevas de mocidade
nas dobras do pensamento!
O meu cavalo arrepiado
- sob este teto de zinco
que deixa escapar goteiras -
as orelhas de ouvir longes
e uma pata descansada,
balança a linda figura
na sombra que a lamparina
- movida ao sopro das frestas
-
esparrama no galpão.
Alguns jujos pendurados
perto à cambona furada
onde a corruíra fez ninho!
O cusco procura a volta
por um lado, para outro
- dá uma puchada na terra -
de um buraquito redondo
- que ele abriu perto do fogo
-
e se enrodilha de novo,
como quem vira os pelegos
e pega a volta do poncho
se acomodando no catre.
O vento insiste, forceja ...
- um trago forte, outro mate
-
e uma pitada mais lenta!
Este meu poncho judiado
- um companheiro de sempre -
e o par-de-botas molhado
- sola queimada do estribo
e dos aros das esporas –
fazem parte do cenário
que o mundo bruto, lá fora,
reproduz em preto e branco
na tela humilde e soturna
estirada em quatro esteios
de cerne de coronilha.
Junto ao tição de espenilho
a cambona ensaia um canto
como pedindo silêncio!
Na velha trempe de arame
- meio cilhona do fogo -
o sangrador vai tostando
- como um remendo de morte
na prova da estupidez –
goteando lentos protestos
como se a dor respingasse
- em lágrimas, pela vida –
abrindo fumos de luto
no frágil painel de cinzas
entre o rubor dos tições!
Quedou-se muda a guitarra
ao recostar nos arreios
sua alma de vidala;
Pois nos momentos de prece
somente a quietude fala!
Pai nosso que estais no céu
precisai vir aos galpões !
Nestes silêncios que tenho
fico granando esperanças
embonecadas há tempo
nas hastes do coração;
Pois quem vive de à cavalo
e tem apenas domingos,
precisa enganar tristezas
multiplicando as pisadas
das quatro patas do pingo.
Quem pouco entende
este mundo,
cria basteiras em si;
e procura arrinconar
- nas emoções contrariadas –
amenidades vividas
- para iludir a razão –
como quem usa um pelego,
que foi sovado a capricho,
pra moldar bem os arreios
quando se aperta o cinchão.
A chuva timbra o agosto
com ganas de arrasar mundo,
e os cinamomos corpeam
como quem tenta escapar
de punhaladas que o vento
- com planchaços de friagem
lhes acaba de acertar!
A casuarina repete
o que aprendeu com os ventos
em consertos milenares;
Qual um músico no escuro
- com dedos encarangados -
sóbrio, nostálgico e só,
tocando em flauta dolente
a melodia que o tempo
escreveu na partitura
alongando a nota dó!
Pai nosso que estais no céu,
fazei voltar as estrelas
e as luas brandas, inteiras
-Refletidas nos serenos –
entre os mágicos aromas
que a primavera semeia
nos pastiçais destes campos.
Trazei de volta a alegria
dos cardeais abrindo o canto
entre galhos florecidos…
e a ingenuidade festiva
dos cordeiros retoçando
sobre os trevais das
ladeiras…
Que noite braba lá fora…
componho o mate e prossigo
mirando a vida, de em pêlo,
-tranquear em rumo confuso-
no lombo duro do tempo!