Elegia do Tropeiro

Eron Vaz Mattos

 

A manhã respira fundo

o aroma dos banhados;

boceja a brisa que passa

nos arvoredos calados

e uma lembrança olfateia

rastros de um tempo passado!

 

no corredor infinito

não há mais rastros de boi;

calou-se o grito tropeiro

e a voz-guia do cincerro

desceu a volta do cerro

tangeu silêncio e se foi.

 

e mudou tudo no pago...

sumiu a gente daqui

numa urgência de espera,

deixando as dores das almas

gemendo nas noites calmas

nessa mudez das taperas.

 

horizontes, léguas tortas,

sombras deitadas no chão,

cruzando, ao tranco, se vai;

as rédeas, rumos na mão!

 

guardou serenos nos olhos

e umidades de neblinas

embaçando as retinas

que a boieira temperou;

ouve o tempo que ficou

falando na voz dos ventos

pois traz pesando nos tentos

alguns sonhos que extraviou.

 

um ponchito cor-de-terra,

o chapéu sombreando o pasto

cruzou, ao tranco, e se foi...

a vida prenhe de estrada

a alma tingida de nada,

marcada a casco de boi.

 

e se foi, resto de estrela,

longe de si, junto aos seus;

anoitecendo na estrada

pra amanhecer junto a deus!

 

os dois baios cabos negros,

laço, cambona, arreador;

se foi a raça tropeira

sumindo no corredor.

 

e um baio fica pra trás

pastando rente ao arame

- que costeia as invernadas -

a pastura enserenada

que mantém restos de lua

e a essência charrua

que sorveu na madrugada.

depois, levanta a cabeça,

relincha firmando a orelha

e abre um trote apressado

para chegar ao costado

do seu irmão de parelha.

 

um ovelheiro picaço

se empina errando bocadas

nas corujas que atropelam

com olhos de lua cheia.

 

são quatro almas campeiras

timbradas a berro de boi,

assim o último tropeiro

surgiu na estrada e se foi!

 

somente o rastro dos pingos,

da alma, perro, arreador,

se perdeu rumo e distância,

na inconstância do corredor.

 

e na prosa da esporas

- um canto-terra profundo -

o seu idioma ferido

de cantar em despedida!

 

quatro almas, quatro tentos,

quatro ventos, ilusão!

refugos de um tempo novo

berrando no coração!

 

num rincão de Olhos D'água

passou, distinto e se foi...

alma tingida de estrada,

timbrada a casco de boi.

e se foi, resto de estrela;

perdido entre o ser e o ter...

longe de si, junto aos seus;

alma tingida de estrada

pra amanhã ser junto de Deus!