UM QUADRO DA ESTÂNCIA
: Érico Rodrigo Padilha
Duvido um
dia mais lindo que um domingo ensolarado,
pra se
passar espichado na varanda do galpão.
Golpeando “uns gole” de canha, tomando mate,
pitando
um crioulo, fechado a capricho, de um fumo tão bueno,
comprado
na venda do Nico Cardoso.
No rádio, um tal João Machado,
“arranca” notas bonitas
de uma
gaita de botão
floreando um chamamezito
num vai e
vem compassado.
O gado no
pasto, pastando silente na beira do açude.
Manada de
potros, seguindo em silencio,
ao tranco
“muy” lento da égua madrinha,
rebanho
de ovelhas branqueando a pastagem,
e o grito
rasgado de algum quero-quero cortando a canhada...
Na várzea
do açude, um bando de garças,
se
assusta com bote de alguma traira
que abre rodrilhas na flor do aguapé.
Na volta
das casas, o cusco ovelheiro,
dormindo
tranqüilo na sombra do rancho
e alguma
galinha limpando o terreiro.
O manso João-Grande de asas abertas,
num vôo
estendido pra os lados do poente,
parece
até um anjo de braços abertos, descendo pra terra,
querendo
salvar a alma da gente.
Pra os
lados do cerro, o ronco sentido
de algum
bugio macho chamando a parceira,
ecoa solito no ermo do campo
e chega
com força pra os lados do rancho.
-Quanto
causo, quanta lenda, nesses fundões de campanha!
... Bem ali
no Capão alto, na encosta do Cerro grande,
há uma
tapera abandonada...
A cuscada chimarrona, tomou conta
da morada
do finado
Juventino.
Coitado do Juventino...
Perdêra
tudo o que tinha num domingo de carreira
e se
enforcou numa figueira bem atrás do seu ranchinho...
... Mais
adiante na canhada, descendo lançante
abaixo
pra os
lados do cemitério, diz que o neto do seu Doca,
se topou
com o “lobisome” numa noite de setembro.
Guri ladino
e maleva, voltou mais “Branco” e assustado
Que tatu
encurralado numa toca abandonada...
Às vezes,
me perco, mirando o horizonte,
remoendo recuerdos de lindas lembranças,
lembranças
tão vivas, com cheiro de infância,
às vezes
fugazes, as vezes perdidas,
mas nunca
esquecidas, são partes da Estância,
tamanha a
importância na vida da gente.
Recordo a
piazada dos tempos de infância,
das
tropas-de-osso, bodoque ao pescoço,
correndo
sem rumo pra os banhos de sanga.
O pai na
mangueira, lidando com o gado,
a mãe
“pelas casa”, tratando dos bichos,
e do meu
ofício, “guri de recado” .
- Que tempos aqueles!
E quando já
moços num fundo de campo,
lidando
com o gado, marcando e banhando,
tosando a
martelo, na safra dos velos,
depois da
jornada, n’algum olho-d’água,
beirando
a sanguita por entre as canhadas,
voltando
ao galpão pra um dedo de prosa,
contando
da lida, do gado e da tosa,
na hora
do mate, a Hora Sagrada.
E os fins
de semana, mas que gauchadas!
Cavalo
encilhado pra os dias de festa,
fandangos
de campo, bailão de ramada,
dançando
pachola co’alguma “morocha”
um chote “clinudo”, ou uma vaneira marcada!
E a dona do
rancho...
que china
lindaça, que flor de morena,
a prenda
mais linda que um dia eu já vi,
tão meiga
e tão doce qual flor da açucena.
E eu bagual
bruto, de tantas potreadas,
me fiz
potro manso, diante os encantos daquela morena.
E os anos
foram passando...
Chegaram os
filhos, vieram os netos,
enfim, o
progresso.
Os filhos
criados pegaram seus rumos,
já faz
algum tempo que a velha se foi,
deixando
saudades, cá dentro do peito
e lindos recuerdos no meu pensamento...
Bueno, o
sol se despede por trás da coxilha,
deixando
um clarão na boca da noite
que desde
de manso cobrindo o rincão.
A lua se
achega pra os lados do rancho
e esboça
um retrato no quadro da estância,
deixando
seu brilho na tela do pago,
enchendo
meus olhos de campo e saudade,
que por
certo, um Deus pintor, escolheu pra retratar.