UM LAMENTO À CARPIDEIRA

     Egiselda Brum Charão

                                          

Diz que choro de carpideira

corta a noite silenciosa,

que ela cospe louvando o morto

numa reza ruidosa.

Chorar, cantar e dançar

pelos seus,  pelos alheios

da noite ao amanhecer

em “loas” entrecortadas ao meio.

Orar,comer e beber

é o mais singelo ritual

que de herança nos veio.

 

No tempo de sol escaldante, 

das vastidões do deserto.

No tempo das divindades

que a Deusa da Imortalidade

carpia as màgoas dos crentes

em rituais para a eternidade.

A mãe de todas as mães

por todos intercedeu...

E foi sob a egípcia insolação

que maternal transcendeu

às lendas, aos credos

e a própria desolação:

chorando pelas pirâmides,

pelos doutores da Grécia,

pela “velha” Roma que morreu...

 

Com todos os apetrechos,

vestido preto desbotado,

lenço de choro encardido,

véu, terço mais parentalha

que a“bastuària” pranteia

o morto na mesa estendido,

lamuriando alto pelo finado

conforme pagamento recebido.

Também como “prefica” conhecida

a senhora que vela defunto

que chora, chora e chora muito

orando com voz cantadeira,

que clama fingindo por todos,

suplica e pede para o morto

paz na viagem derradeira.

.

No Brasil, berço da fé e devoção

difundiu-se a antiga crença

das choronas rezadeiras

quequarteavam” o finado

durante todo o velório

cantando Incelencias, e muito

com vozes apavorantes

sob a cruz dos seus rosários.

 

E ate ‘chimbica’ – a cadela

que em seu instinto animal

dorme embaixo dos caixões

numa rotina irracional,

- como sentinela do além

acompanha o cortejo

até o fim do ritual

e feito uma sombra só volta

para o próximo funeral.

 

Hoje, restou Itha Baiana Morena

herdeira do ofício milenar

de prantear pelos mortos.

- Legado de Portugal -

Chora acalentando o falecido

na passagem celestial...

Como Itha vou carpindo

no tempo, as desilusões

do mundo, da vida, de tudo

pelos confins dos rincões!