SOBERANA DAS ESTRADAS
Egiselda
Brum Charão
Carreta...
Senhora do mundo,
viandante da história,
aos quatro cantos da terra,
rastreando derrota e glória,
cruzou mares,
varou vales,
andou mapeando detalhes,
rabiscando na memória
a marca da trajetória,
forjada a coice de boi.
Senhora do tempo,
suportando sóis e ventos,
sempre agüentando o repuxo
e no açoite das invernias,
transportando agonias,
rangendo triste e gemendo...
As rodas sulcando o chão
e, lerdarrona e cansada,
juntando o pó da estrada
como viúva tristonha
amargueando em
solidão.
Carreta...
Senhora da estrada,
andando incansavelmente,
vagarosa e lentamente,
como gaudério sem lei,
carregando avios de mate,
salame, farinha e charque
tudo o mais de precisão,
municiando o rancherio
dos confins do meu rincão.
Senhora abandonada.
teu rastro
os ventos apagaram
e as enxurradas levaram;
tua rezinga se perde
na boca dos corredores;
teu vulto zanza mui lento
sob o olhar dos alambradores
e se perde,
noite adentro,
como música ao léu,
brotando da inspiração
nas vozes dos trovadores.
Senhora envergada,
a tua sombra cansada
e lenta desenha,
nas trilhas empoeiradas,
velhas glórias esquecidas.
No vai-e-vem pelas estradas,
conheceu cada picada
e, no gelo das
madrugadas,
sob as duras invernias,
chora juntas encarangadas...
Carreta...
Senhora sem luxo,
foi terno abrigo,
teto humilde e campeiro,
a rude casa do gaúcho.
Senhora da guerra,
foi amparo,
foi trincheira,
foi mesa onde delineou-se
o esboço do pago
em traço austero,
e tingida do sangue guerreiro,
num genocídio feroz,
mapeou o Rio Grande inteiro
que deixaste para nós.
Assim,
sem nenhuma vaidade,
velha senhora sofrida,
que andejou de Sul a Norte
ao bate cascos de boi,
te foste pra eternidade
deixando um rastro de saudades,
na trilha dos carreteiros
legadas para o depois...