A REZA DUM GROSSO
Dimas Costa
Um peão desses de estância, bem xirú e bem grosso, criado sempre no campo, um dia foi ao “povo”, resolveu chegar na igreja. Atou o “pingo” na porta, meio sem jeito, mas decidido, entrou foi até o altar e diante da imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo, começou a “rezar” assim:
Jesus: Eu só sei rezar
male-male a Ave Maria.
Que minha mãe que sabia
me ensinou quando guri.
Depois, ainda piazito,
me larguei prá campereada
sem tê tempo prá mais nada...
E inté lê nem aprendi.
Nasci e cresci lá nas timba,
e o padre quando lá ia,
parece que só fazia
bautizado ou casamento.
E eu cresci ansim, inté grande
meio burro... anarfabeto,
sem conhecê um decreto...
Sem conhecê mandamento.
Jesus: o Sinhô perdoa!
Mas hoje eu vim prá rezá.
Não sei si inda vou lembrá
da reza ansim, bem na artura.
Mas Deus que compreende tudo
de certo que vai me ouvi.
E atendendo o que eu pedi,
descurpa a minha grossura!
Jesus: me faz que a Ritoca
não me olhe mais pro Felício.
Se não eu faço um estropício
daqueles de carrerada!
Mas se êsse cuera insistí
Em namorá com a Ritoca,
eu me meto la nas toca,
mas pico êle a facada!
Jesus: me engorda o cavalo
que sempre anda comigo.
Afinal êsse é um amigo
que eu poso mesmo contá.
Os outro não são cavalo
nem amigos verdadeiros.
Se fazem de meus parceiros,
ma só querem é me explorá!
Jesus: agora um pedido,
mas é só aqui para a gente:
me faz que o tal de Nico Vicente
me pague a conta, o canaia!
Pois ficou de me pagá
o servicito dum touso,
e agora tá mais custoso
que a tar de reforma “agraia”!
Outro pedido, Jesus:
E êste é bastante sério.
me faz que o compadre Lautério,
sare logo – o pobre home!
Pois tem um mundo de filho!
e se não cura aquêle pé,
pobre ansim, como êle é,
vai inté morrê de fome!
Mas bueno, Jesus vou indo,
O “povo” é longe a distância,
daqui inté lá na estância,
é prá mais de nove légua.
Se eu saio agora daqui,
que já não é muito cedo,
fazendo a conta nos dedos,
só chego amanhã. Xoégua!
Por isso não me leve a mal
se eu saio ansim meio às pressa!
Mas eu gostei da conversa
e voltarei qualquer dia.
Le peço mais alguma coisa,
boto um ramo na sua cruz,
e depois le rezo, Jesus,
quatro ou cinco Ave Maria!