A MORTE DO BRIGADIANO

      Dimas Costa

 

      Houve o tempo em que a "folha"

      era a arma respeitada,

      pois assim era chamada

      a espada do brigadiano.

      E nas pendengas do pago,

      quando a indiada se atracava,

      muitas vezes ele cantava

      no lombo de algum paisano.

 

      E ele era desse tempo,

      cabo velho e veterano.

      Curtiu muito desengano

      como praça da "Milícia'.

      Mas teve um dom já de berço:

      mostrando desde menino,

      que Deus lhe dera um destino,

      nasceu para ser polícia!

 

      Pequenito já brincava

      nas guardas da molecada;

      fez uma farda inventada

      com uns trapos velhos de brim.

      Duma tala de coqueiro

      fez sua primeira espada

      e organizou com a gurizada

      uma brigada mirim.

 

      Quando fez 18 anos foi cumprir a sua sina:

      entrou pra "Guarda Assassina",

      como era, então, chamada.

      E que orgulho sentiu

      quando alcançou o que sonhara,

      no dia que lhe entregaram

      uma farda desbotada!

 

      E seguiu a vida afora

      marcheteado com a sorte.

      Cruzou ferro com a morte

      em muita pegada feia.

      Empunha a lei com bravura,

      brincando até com o perigo, e

      levou muito inimigo

      para o fundo da cadeia!

 

      Mas era bom e honesto,

      embora pobre e judiado!

      Vivia sempre apertado

      com o magro soldo de então.

      Sonhava, às vezes sorrindo,

      apenas por puro afeto,

      pois jamais, analfabeto,

      chegaria a Capitão.

 

      E como foi massacrado

      nos tempos do preconceito!

      Ser brigada era defeito

      que pesava como um mal!

      Pois todo o índio polícia

      era, sim, considerado,

      como indivíduo afastado

      do meio ambiente social.

 

      E um dia juntou os trapos

      com uma moça brasileira.

      Gaúcha bem verdadeira,

      mulher pobre, honesta e boa!

      Que sofreu resignada

      daquele tempo a malícia,

      quando a mulher de polícia

      era chamada de à toa"

 

      Mas enfrentaram o destino

      unidos num amor profundo!

      E peleando com o mundo,

      foram passando os anos.

      Eram bons, eram benquistos,

      entre vizinhos e amigos,

      e tinham poucos inimigos,

      apesar de brigadianos.

 

      Já estavam quase aos quarenta

      quando Deus lhes deu um filho.

      Trazendo um novo brilho

      para o lar entristecido.

      Mas o velho brigadiano

      era um exemplo de bom;

      pois Deus lhe dera o dom:

      ser bom pai e bom marido!

 

      Foi num dia em que o filho

      estava cumprindo anos.

      Os pais, garbosos, ufanos,

      estavam com a alma em festa!

      Juntaram uns restos de trocos

      do soldo que mal cabia,

      para fazer, nesse dia,

      uma festinha, modesta...

 

      E quando a mãe fez o bolo,

      com uma velinha, enfeitado,

      o gurizito, encantado,

      dava pulos na cozinha.

      É o bolo de aniversário,

      dizia a mãe, com carinho,

      e os olhos do gurizinho

      brilhavam mais que a velinha!

 

      E o cabo velho, sorrindo,

      se tocou lá para a venda,

      fora buscar a encomenda:

      meia dúzia de Gasosa.

      E recebendo um abraço,

      o brigadiano, faceiro,

      com o amigo, o bolicheiro,

      ficou tirando uma prosa...

 

      Foi quando entrou no boliche

      o mulato "Carniceiro";

      um tipo mui bochincheiro,

      que já vinha embriagado.

      Não gostava de polícia

      e ao ver ali o brigadiano,

      foi logo puxando pano

      pra uma encrenca com o soldado...

 

      Pegou no copo de canha e

      disse: bebe milico!

      E o Cabo velho, xomico,

      que não queria pendenga,

      foi saindo de mansinho,

      se lembrando do menino,

      mas o mulato, assassino,

      foi sacando da xerenga ...

 

      Foi tudo tão de repente,

      que nem se explica o sentido;

      o bandido, enfurecido,

      como um louco, o desalmado,

      sem que mesmo o bolicheiro

      pudesse evitar o mal,

      espetou o policial

      que caiu ensanguentado!

 

      E à noite, naquele rancho

      onde haveria alegria,

      uma mãe, triste, se ouvia

      chorando, desesperada!

      Era a sorte negra e injusta

      que quase sempre culmina

      a triste e amarga sina

      duma mulher de brigada!

 

      E o filho, ainda bobo,

      sem compreender a razão,

      ao ver o pai, no caixão,

      terminando o seu calvário,

      batendo palmas, dizia,

      - inocente, o pequenito -

      "Como papai tá bonito,

      festejando o aniversário!"