A FILHA
Dimas Costa
Melenudo, barba grande
Maltrapilho todo imundo
O pobre do vagabundo
Na frente do casarão
Olhava a linda sacada
Onde atrás do cortinado
Estava o vulto parado
Da linda flor em botão.
Era a filha do Doutor
Moça linda, meiga e terna.
Uma garota moderna
Mas de porte delicado.
Quantas ele a via
Descer a rua à tardinha
E sair com seu fusquinha
A passear com o namorado.
Muitas vezes ela o olhava
Com seu olhar de ternura
Mas por certo que a figura
Do imundo, do maloqueiro
Assustava a pobrezinha
Que jamais imaginava
Que aquele que ali estava
Era seu pai verdadeiro.
Foi um dia, há 15 anos,
Que Ele veio pra cidade
Tentar a felicidade
Na vida da capital.
Tinha mulher e uma filha,
criança de poucos meses
e ali guasquiado aos revezes
a vida lhe foi fatal.
Pobre, só, sem recursos,
Atacado pela doença
Foi lhe lavrada a sentença
Do mais cruel dos fracassos
Foi-se-lhe um dia a mulher
Deixando-o só, ao relento
E pra maior sofrimento
Com uma criança nos braços.
Arrastado na sarjeta
Coiceado pelos humanos
Foi curtindo os desenganos
Até que a noite chegou
E levado pela dor
Com a filha quase morta
Foi parar naquela porta
Onde a criança ficou.
Quando acordou da agonia
Estava na maloquita
Onde uma alma bendita
Irmã do mesmo sofrer
Levara-o por compaixão
Arrastando-o do relento
Prolongando o sofrimento
De quem devia morrer.
Desde então ele ficou
Um imundo marginal
Ajuntador de jornal
Bebendo canha num frasco
Desses que nossa cidade
Está de fato repleta
Figura humana, objeta
Que a sociedade tem asco.
Mas ali no casarão
Foi encerrada a sua vida
E aquela moça querida
Hoje filha de doutor
Era a imagem de uma estrela
Quem ele adorava afastado
Vulto santo, idolatrado
De sua história de amor.
Por isso que ali postado
Maltrapilho, todo imundo
O pobre do vagabundo
Na frente do casarão
Olhava a linda sacada
Onde atrás do cortinado
Estava o vulto parado
Da linda flor em botão.
E então sem mais se conter
Foi subindo a escadaria
Há muito que ele queria
Consolar o coração.
Ver de perto a sua filha
bateu a porta .Ela surgiu.
E Ele humilde pediu
Um pedacinho de pão.
Voltou a
moça sorrindo
E estendeu a mão serena.
Linda pétala de açucena
Onde uma jóia rebrilha.
Deu-lhe a migalha. Ele pega.
E olhando-a bem no olhar
Lhe disse, quase a chorar:
- Deus lhe pague,
MINHA FILHA!