A FALA DO VELHO
Dimas Costa
-Deixai-me dizer de um tempo
que eu tive:
De um tempo de coisas de
nomes antigos;
De coisas tão lindas que a
gente entendia.
-E o velho falava e o moço
escutava,
Escutava e calava...calava
e sorria.
-Deixai-me dizer de um mundo
que eu tive,
De um mundo teatino,
gaudério, largado,
De jerras, potreadas,
De várzeas, canhadas,
De cerros, coxilhas
De verdes flexilhas,
De cercas de pedra,
Antigo alambrado;
De gado alçado
Em loucas manadas.
De guexas pealadas
Com tiro de laço
E de bolas e aporreados.
De tauras criados
Grudados nas crinas,
Mamando na seiva
Do amargo em porongo,
Traguiando a azulzinha
Que a guampa trazia.
-Deixai-me dizer de um mundo
que tive:
E o velho falava e o moço
escutava,
Escutava e calava, calava e
sorria,
Pois nada entendia do que o
velho dizia.
-Deixai-me dizer das coisas
que tive:
Aperos de luxo,
Barbela de prata,
Rédeas sovadas,
Bombilhas de ouro;
Badana de pardo,
Lombilho enfeitado.
Retovo trançado,
Estrivo de couro,
Guaiaca recheada,
As pilchas de luxo!
Um pala franjado,
Ceroulas de crivo;
O meu chiripá
De beira riscada;
O meu tirador,
De flecos compridos;
As minhas chilenas,
Riscando as entradas.
Meu lenço encarnado,
O sombreiro quebrado,
A bota garrão,
Que eu mesmo fazia...
-Deixai-me dizer das coisas
que eu tive:
E o velho falava e o moço
escutava,
Escutava e calava, calava e
sorria.
Pois nada entendia, do que o
velho falava.
-Deixai-me dizer dos bichos
que tive:
Um flete de ancas
Mais largas que um berço,
Convite pras prendas
Se alçarem, teatinas;
Um cusco rabão,
Amigo sincero;
Um guacho criado,
Mamando no dedo;
Um touro crioulo,
Senhor das campinas.
Uma ponta de gado,
Criado em potreiro,
Um gordo tambeiro,
Uma vaca-de-cria.
Deixai-me dizer os jogos que
tive:
E o velho falava e o moço
escutava,
Escutava e calava...calava
e sorria.
Pois nada entendia do que o
velho falava.
-Deixai-me dizer dos jogos
que tive:
Das pencas aos domingos,
Das canchas de tava;
Das brabas pendengas
Nas rodas de truco;
Dos lindos surungos
Nos ranchos-chinedos,
Das cruzas de ferro
Nos brutos salseiros;
Dos goles de canha
No altar dos bolichos;
Das doces manguiadas
Nas chinas alheias;
Nas noites chuliadas
Na ponta da linha,
De grandes caçadas
Rondando os capinchos.
Das farras nas festas
Que a gente fazia,
Dançando as tiranas
Na poeira do chão,
Aos sons das violas,
De noite e de dia.
E o velho falava e o moço
escutava,
Escutava e calava...calava
e sorria.
Pois quem só escutava a língua
estrangeira,
Da língua nativa, quase nada
entendia.
E o velho calou-se. Magoado,
em silêncio,
Voltou-se, solito, andando a
esmo.
-Os tempos mudaram! A pátria
é outra!
Os moços só entendem o que
vem do estrangeiro!
A língua é outra língua,
ninguém mais entende.
Ninguém mais compreende o que
fala o campeiro!