MARCAÇÃO

Cyro Gavião

 

Esta vida da cidade

E’ vida de grande luxo,

Mas eu que sou bom gaúcho,

Dela gosto muito pouco,

Porque não sou nenhum louco,

Em maltratar o meu bucho.

 

Eu amo a vida do campo,

Que relembro com saudade,

Pois de morar em cidade

Ando mais que aborrecido:

Eu aqui tenho sofrido

Desengano e crueldade.

 

Eu gosto de ver o campo;

Gosto de ver a mangueira;

Ver uma tropa altaneira;

Ver, de tarde, no saleiro,

O gado manso, o terneiro,

O boi, a vaca leiteira.

 

O berro dos animais,

Para mim, é voz maviosa.

Melhor que ouvir a “furiosa”,

Na cidade, o dia inteiro,

E a bulha do carroceiro

Pela rua pedregosa.

 

Gosto de ver os pássaros,

Cantando, no arvoredo.

De madrugada, bem cedo,

A peonada está de pé,

Sem mesmo tomar café,

Já se trabalha sem medo.

 

A peonada anda disposta:

E’ dia de marcação.

Todos gritam, o patrão;

Todo o pessoal mui contente.

E’ uma “imundícia” de gente,

Por debaixo do galpão.

 

Dois ou três pegam cavalos;

Outros fazem chimarrão,

Que corre de mão em mão,

Te que a marca esteja quente.

Depois, vai saindo a gente,

Que arrodeia o fogão.

 

Cada qual pega o seu laço,

Entesando-o na presilha,

Até que saia a novilha,

Que deve ser bem carneada,

Ficando de aspa quebrada,

De um pealo de rodilha.

 

E logo trazem pra o fogo

A mais graxuda costela.

Não se cozinha em panela,

Mas assa-se num espeto;

Quando fica meio preto,

Já vai correndo na guela.

 

Ao cabo de dois, três dias,

A marcação está finda.

Agora é que a coisa é linda

Ao se ver a domação:

Com rédea e laço na mão,

A peonada corre, ainda.

 

E, no dia imediato,

E’ dia de carreirada,

Ninguém refuga parada,

E’ tudo por diversão...

Quem sai perdendo é o patrão

Na troça da rapaziada.

 

Nota: “Esta foi a primeira poesia escrita pelo autor em 1927”