CRUZ NA ESTRADA
Cyro Gavião
Pardo velho abarbarado,
Que nunca levou carona;
Costeleador de cordeona,
Nas porfias imortais...
Carrega a herança dos pais,
Escriturada no lombo;
Carrega marcas de tombo,
Que alguma maula lhe deu...
Encarquilhado e sisudo,
Vai arrinconando
tudo
Pra não dizer que sofreu.
Índio guapo do meu pago,
Que nunca levou maneia;
Que, no ardor da peleia,
Brigava sempre sorrindo...
Guasca velho, estou te ouvindo,
No tilintar das chilenas,
Que vão chorando suas penas,
Como o minuano que passa.
Tua espora, no chão, traça
Nossa glória do passado,
Escrita com sangue dado,
Na formação desta raça.
Morreste, guapo de antanho!
Mas, o pampa, teu amigo,
Te concedeu, como abrigo,
Essa triste sepultura:
Um monte de terra pura,
No repecho
da canhada,
Onde uma cruz falquejada,
Entre pés de maçanilha,
Assinala, na coxilha,
A tua última morada.
E, ao voltar da campereada,
Quando a
tarde já descamba
Pras bandas do infinito;
Quando o quero-quero aflito
Vê fantasmas na amplidão,
Guasca velho, no rincão,
Morre a tarde e morre a luz,
A noite cai como um véu...
Vejo a imagem duma cruz,
Abrindo os braços pra o
céu...
E’ tua cruz falquejada,
No repecho
da canhada,
Perdida na escuridão,
Que pede a Deus que nos
mande,
Que nos devolva ao Rio Grande
As glórias da tradição.