CHIMARRÃO DA MADRUGADA
Cyro Gavião
(À memória de Aureliano de Figueiredo Pinto)
Bem cedo deixo os pelegos
- Velho costume que trago -
Para tomar um amargo,
Junto ao fogo do galpão...
“Bato tição com tição”,
Sentindo que a história
passa.
Qu’importa, se a nossa raça
Traz gosto de chimarrão.
Amigo das madrugadas,
Junto ao borralho me agacho.
As brasas ficam por baixo
Da lenha seca que trinco...
Assopro o fogo, e me afinco,
Irrenitente, na história,
Pra memorar tanta glória,
Nas cinzas de trinta e cinco.
E ao ver a primeira chama
Votiva do meu galpão,
Seguro firme na mão
A cascurrenta
chaleira...
E’ que, assim, dessa maneira,
Num civismo que persiste,
Parece que trago, em riste,
A velha lança guerreira.
Ao fogo arrimo a chaleira
E sinto que se entropilha
Toda a história farroupilha,
Na brasa viva e candente...
Eu sinto que está presente
Cada herói, na madrugada,
Esperando a clarinada
Para pelear
novamente.
Enquanto, assim, eu medito,
E espero que a água esquente,
Vejo bem na minha frente
A cuia, na lata d’erva...
Parece até que observa
Meus gestos e pensamentos.
E’ que sabe os meus tormentos
E meus
segredos conserva.
Então, afago o porongo,
Como se fosse uma china,
Que traz,
na forma divina,
Mil coxilhas e canhadas...
No sorriso, as madrugadas
Do chimarrão que eu ajeito;
Que traz, na forma do peito,
Duas cuias irmanadas.
E ao me sentir já de pé,
Logo acode a cachorrada;
Vem toda refestelada
- Carinho que sempre dobra -
Quanta amizade me sobra!
Mas, falta um cusco malhado,
Que, noutro dia, coitado,
Morreu mordido de cobra.
Me assento sobre um pelego
Que, num cepo, se conserva.
Passo a mão na lata d’erva
Feita de folha madura...
Essência charrua e pura,
Que traz o gosto do pampa.
Com rude naco de guampa
Vou medindo a cevadura.
Ajeito a erva na cuia,
Reclinada na canhota.
Toda a erva que se bota
Deve ter medida certa...
Depois, com água já esperta,
Faço o topete dum lado,
Que fica meio inclinado
No dedo grande que aperta.
Enquanto a lenha crepita,
E meu chimarrão não sai,
Me lembro que o Paraguai
Nos legou esta liturgia...
Diz que, lá, com água fria;
Quente, aqui, como um desejo.
Caramba, quase que chia.
Minha chaleira que chia.
Tomando o primeiro amargo,
Todo o meu
ser retempero.
Sou tal como o quero-quero,
Ando sempre vigilante...
As penas
levo por diante,
Quando se me as dão de graça;
Reponto a fibra da raça
Do tempo que vai distante.
No céu reparo a boieira,
Na noite calada e fria.
Parece até que me espia
A grande estrela xereta...
Não tem fogão de carreta,
Onde não meta o nariz.
Até de guia se diz,
Quando se perde um sotreta.
Despertando a madrugada,
Que pastoreia no céu,
Canta um galo...e
outro, ao léu,
Responde ao galo da
estância...
Vão encurtando a distância
Do dia que se aproxima.
Meu chimarrão traz a rima
Dos velhos tempos da
infância.
Meu chimarrão é conforto
Que nos legou a querência;
Que traz, no verde da
essência,
A própria cor do meu pago...
Por isso que, num afago,
Beijando a bomba de prata,
Meu coração se retrata,
No culto xucro que trago.
Os galos vão amiudando
O canto, na madrugada.
A roda já está formada,
Em derredor do fogão...
E a cuia, de mão em mão,
E’ china que se oferece;
Que a todos beija e aquece,
No ritual do meu galpão.
Levando o gosto da erva
Do chimarrão do estrivo,
Levo o pago redivivo,
Na formação e na essência...
Meu Rio Grande é preferência!
Meu flete
é a liberdade!
Vou camperear
a saudade,
Que se perdeu na querência.