CHARQUEADA
Cyro Gavião
Ao ver a velha charqueada,
Que fica à beira da estrada,
Quando se volta pra o pago,
Eu sinto um
tal de remorso,
Que, pra esquecê-la, me
esforço,
Bebendo a dor trago a trago.
Mesmo assim, me lembro ainda:
A jornada estava finda,
Na hora d’Ave Maria...
E a tropa ficou encerrada,
Naquela velha Charqueada
Pra se matar noutro dia.
É que havia um compromisso
E o patrão disse, por isso,
Com mágoa no coração:
- Se a graxa for de primeira,
boi manso, vaca leiteira,
apartem sem compaixão -
E a tropa ficou encerrada,
Naquela velha charqueada,
Que fica perto do povo...
E, a trote largo, inda ouvia
Um berro que me pedia
Pra qu’eu voltasse de novo.
Era o pago, era a querência
Que suplicava clemência,
Chorando aquela tropeada...
Era o berro da “Barrosa”,
Que dava o leite, sem prosa,
Pra o café da gurizada.
E, a trote largo, no más,
Repontando o capataz,
Chegou-se ao povo, ali perto.
Farreou-se dia por meio;
Comprou-se roupa e arreio,
Que já faltavam, por certo.
Na volta, no outro dia,
Por Deus, que me parecia
-Vendo a charqueada à
distância -
Que assistia um festival
de couros em funeral,
mostrando a marca da estância.
No pelo de cada couro
Daquela tropa de estouro,
Que ali ficava esquecida,
Eu via o próprio rodeio
E o pingo mascando o freio,
Nas campereadas
da vida.
Charqueada do sovéu grosso,
Que arrasta, pelo pescoço,
Da balança pra marreta,
Abre os varais da porteira,
Perdoando a vaca leiteira,
Perdoando o boi da carreta.
Charqueada!...Velha
charqueada!
Que mora à beira da estrada,
Na triste sanha da morte,
Ante o destino fatal,
Eu vou golpeando o bocal
Do queixo duro da sorte.