CARRETA

Autor: Cyro Gavião

 

Quando vejo essa carreta

Sepultada no abandono,

Quebrada, velha, sem dono,

Entre guanxumas e ortiga,

Me lembro da rapariga,

Que foi moça e fachudaça.

Mas, hoje, velha e sem graça,

Ninguém lhe pede um afago...

Carreta velha do pago,

O choro da tua buzina

Já acompanhou essa china,

Numa saudade que eu trago.

 

Tronco de angico até os fueiros,

Como arremate essa china,

Contraponteava a buzina,

Numa toada a seu gosto...

A tarde vinha a sol posto

-Eu conversava na quarta-

O mantimento “a la- farta”,

O pouso já estava perto.

A vida era um céu aberto,

No potreirão da existência.

Riscava o chão da querência

Porque o destino era certo.

 

Eu me lembro desse tempo!
caia a noite no pouso...

A boiada já em repouso;

A lua mostrava a cara.

Fiz o fogo duma vara

Que vinha meio “desgueia”.

O cusco, de pança cheia,

Se acomodou na macega...

Quanta saudade, xô-égua,

No coração, nos golpeia.

 

Quantas vezes, no repecho

-O tiro muito puxado-

um boi velho, já assoleado,

Vinha mermando, na canga,

Mas, eu gritava: PITANGA!!!

E ele arrancava pra frente...

Era o tipo da vergonha,

Lavando a cara da gente.

Mas, eu chegava esse dia!

Toda a boiada sabia

Que vinha perto a tormenta.

Um guasca não se lamenta,

Pois isso é coisa comum

La soltando de um a um

E, assim rumavam pra sanga...

Bem atrás ia o Pitanga,

Meu velho boi muito manso,

Que aproveitava o descanso

Pra ficar lambendo a canga.

 

Passou-se tempo, carreta,

E, ao te ver em decadência,

Por triste coincidência,

Quando a saudade respinga,

Fui encontrar, na restinga,

Velho esqueleto atolado.

Tinha o queixo inda espichado

Para o sangrador da sanga...

Era meu velho Pitanga,

Que implorava um gole d’água.

E tu, nessa triste mágoa,

Sem rodas e recavem,

És esqueleto também!

E essa guasca ainda bamba,

No cabeçalho,... é um agouro...

Eu reconheço esse couro,

Era do velho Pitanga!!!