DE REGALO – ROMANCE CAMPEIRO

Cristiano Ferreira

 

“Talvez não seja o primeiro...

Talvez não seja o melhor...

Mas é um versito de campo

Retoçando num potreiro!...”

 

Com a singeleza dos puros de alma...

e caligrafia desprovida de virtudes,

o peão grafou os versos simples

num papelzito de astraça.

Mais que um chasque,

um regalo pra amada,

a filha do “Seu Antero”, o bolicheiro.

 

Guardando seus escritos nos pesuelos,

encilhou assoviando uma coplita mansa.

Com o preparo completo

- que com campo dobrado

descuido não tem lugar -

uma virada de arreio...

um tombo e...

la maula! Seria o fim de estrada

pro sonho de casar com a trigueira.

 

“-Virgê Nossa Senhora,

Me guarda nessa jornada!”

 

A cantilena das esporas,

o coscós do freio,

o barulho da barbela

e o ringido dos bastos,

melodiavam a intenção do peão

de completar seus versos

e - junto com eles -

entregar, também, seu coração.

 

“-Ah, Patrão!

‘Repare’ esse campeiro!...”

 

E rotinou o seu dia de campo,

entre apartes, recorridas...

e curar bicheiras... laçando em rodeios.

Trazendo na volta “pras casas”...

a Bragada pra se alivianar.

 

Nem tinham batido o ferro

- chamando pra janta -

e ele bombeava tristonho

pra armação de allá...

...daquelas que não negam o estribo.

 

“- Patrão!...

Não me faz essa pegada!...

Imagina se enche o Passo

e eu não posso ver a linda?!...”

 

Mas...

amanheceu chovendo.

E enquanto mateava, no galpão,

com o olhar campeando

uma nesga de céu que fosse...

enfrente ao braseiro, tateando a cambona,

sentiu como se o calor

daquela mão delicada encontrasse a sua,

como se o mirar das brasas...

fosse o brilho resplandecente

daqueles olhos pequeninos e ternos,

que do verde do pampa

emprestaram a cor... com brilho de luar.

 

Não havendo alternativa...

lidando com uns tentos


- emparelhando, desquinando

e limpando pêlos -

por ser das lidas que restam

na “volta” do rancho, num dia de chuva

e porque do ofício de guasqueiro,

sabia as manhas e não refugava bolada.

 

Porém... a mente não se olvida

daquele sorriso de tal formosura.

E o cravador perde a vez

pra um lápis tosco

que fica guardado dentro de um bornal,

e trança rimas para os sonhos moços

...com presilha e arremates de paixão.

 

“-Ah, Patrão!

Me deixa um vau nem que seja!...

Amanhã é folga,

minha égua tá no potreiro da recolhida,

os versos já tão prontos,

e minh’alma... também.

Patrão... Me ajuda!...

Me ajuda! Amém!...”

 

Amanhece...

Um domingo de sol

e um céu azul de pintura.

 

A Bragada que se adelgaçara,

ganha o buçal, o freio,

os arreios de desfile...

e cola atada a preceito.

O qüera veste a pilcha domingueira...

um entono de monarca na estampa....

busca a volta e alça a perna

e... a esperança.

 

Um trote decidido

encontra uma cruzada na sanga.

 

Mais um trote...

meia légua...

e dá lugar ao encanto.

Uma cancela se abrindo,

Uma mão que acena,

Uma sombra de cinamômo,

Um riso solar,

Uma espora cantando...

Um braseiro no peito,

Uma mão rumo ao bolso...

Um rubor em bela face,

Um poema singelo...

O mais lindo olhar,

Um recitado...

E um amor a aflorar.

 

“Talvez não seja o primeiro...

Talvez não seja o melhor...

Mas é um versito de campo

Retoçando num potreiro!...”

 

“Peço que perfumes meus dias na fazenda...

e faças desse peão, um teu escravo...

e que aceites... sem agravo,

que te chame de... minha prenda!...”

 

“Pra ti, a mais linda trigueira...

bela flor, que brotou nesse rincão...

neste verso te ‘regalo’ o meu coração...

para ser tua morada...

a vida inteira!...”