De Emalar o Destino, Encilhar a Vida e Cerrar Esporas
Cristiano Ferreira Pereira
Abichornado...
Assim estava o rapazote.
Mesmo na flor da idade,
Com vigor nos músculos,
...Não sabia o que iria ser
de si,
E esta incerteza lhe pautava
a mente...
E lhe tirava o sono.
Carregava a alcunha de...
“Valente”,
Pois – não raro – era a sua
maior virtude,
Seja na lida,
Nos meandros do ofício de
peão,
Ou nos bochinchos
nos quais se metia...
Por mais diversas razões.
Sim...
Foi com esse estado de
espírito
Que adentrou no galpão,
Onde... seu
Fulgêncio – já velhito –
Lidava de guasqueiro...
Um dos ofícios que restam pra
um campeiro
Quando a idade pesa e...
Não se cai na trampa da cidade.
Quando cruzou o olhar com o
moço,
Ainda lidando com uma lonca,
Vendo o que sucedia, o velho
disse... despacito:
- “Emala o teu destino,
Encilha a vida e cerra
esporas, rapaz!...”
E o rapaz, entre surpreso
E sem entender a fala do seu Fulgêncio, perguntou:
-“D’onde tiraste isso, véio?”
Então...
Buscando uma banca e apontando
outra,
Com a sabedoria dos antigos,
Seu Fulgêncio
falou:
- “Isso eu
aprendi com o pai do pai
de nosso patrão, quando estava aqui
com a tua idade e ares de andar alpedo
e trompar com a vida.
Pra mim ele
falou assim:”
- “Emala o destino
Quem no lombo do pingo,
Desprende as amarras de um
viver teatino;
Quem persevera ao jogar a
terra
O seu próprio eu, no grão
semeado;
Quem faz do arado,
instrumento pra seu canto em profusão;
Quem aperta firme - com o
tento mais forte -
As agruras
da sorte, nos calos das mãos.”
E continuou:
-“Encilha a
vida...
O que firma o orgulho,
Bem no osso do peito,
- Com a cincha da humildade -
Usando a xerga
da consciência,
Que amadrinha o vivente
Por onde quer que vá...
Quando se anda estribado na
força da fé,
Sentado sobre lições que se
aprendeu.
...O preparo é trançado de esperança
E... saudade.
E um laço... com a força da amizade,
Para qualquer precisão,
Desde travar algum problema
À pealar
a solidão.
Usando um freio bom e leve,
Tendo a voz como escrava,
Para não ferir por torná-la
senhora
Num agir
inconseqüente”.
E assim o velho...
...Tornou a calar.
E vislumbrou os olhos
marejados
Do rapazito,
que já esboçava um sorriso,
Num semblante contemplativo e
decidido.
Então, sentenciou:
“Guri!...
Pega este buçalzito
que recém terminei,
Vai no potreiro e traz o teu pingo.
Junta os pesuelos
E o teu destino emalado.
Com aquilo que tens, encilha
a tua vida,
Monta – enche a perna –
E cerra esporas!...
Ergue a cabeça e segue em
frente,
No teu horizonte há um lume
diferente
Pois, só prospera e encontra
a luz
O que por fim aprende...
A cada dia... ser mais... gente!”