A MARGEM DA VIDA DE UM TROPEIRO
Cristiano Ferreira Pereira
Tropeiro das noites curtas...
na ronda das tropas grandes.
Orelhano...
de qualquer sorte.
Mas...
Assinalado pelo destino,
com as forquilhas da lida
e... as palmatórias da vida.
Era um desses índios
calados, ensimesmados,
mas de alma doce
e prosa mansa.
Dom
Nicácio Cardozo
desde
piazito se fez tropeiro,
sovando
bastos pelos interiores
da
pampa grande,
cruzando
trilhas,
corredores
sem fim...
levando
tropas que não eram suas
com
o zelo de que o fossem.
De
riso largo...
-
ainda novo - foi bom ponteiro,
guiando
tropas com precisão.
Era
dele, também,
a
vez de chegar antes nas pousadas,
juntar
lenha... fazer fogo...
recostar
cambonas e
preparar
o amargo.
Vez
por outra,
ainda
lhe tocava a carneada.
Já
maduro
-
capataz de tropa -
povoou
os cuentos da peonada
e
se fez lenda entre tantos
pelo
cuidado e dedicação a seu ofício,
como
que o fossem entalhados... no cerne.
O
seu:
“-
Era boi!... Era boi!...”
se
estendia pelo campo,
encontrando
o horizonte,
de
contraponto ao sopro do vento
e
duetando...
...com
a ponte-suela do freio
do
seu preparo antigo.
Um
aba larga cobrindo
a
longa melena negra,
sombreando
seus traços
de
ameríndio,
o campomar
sempre pronto
para
guapear tormentas,
uma
coqueiro de botar respeito,
um
par de esporas com detalhes de allá,
o
doze braças - de agüentar qualquer tirão -
um
tirador com flecos e,
qual
bandeira, ruflando ao vento,
o
colorado por sobre o peito
...eram
os trastes deste qüera.
Montava
um flete picaço,
estrela
luzindo à testa...
...também
um baio de tiro.
Dois
pingos florões da pampa,
dois
tronos pra um Monarca!
Nos
pêlos... a noite e o dia
...num
simbolismo terrunho
da
lida que não folgava!
Sempre
fechava um crioulo
-
bem despacito -
antes
de voltar pra ronda,
como
parte de um ritual.
Picava
o fumo e antevia...
a
lida que se seguia.
E -
por certo – lembrando
de
algum cambicho,
mostrava
o largo sorriso
...no
brilho terno do olhar.
Bandeava
uma tropa como poucos
- maestro
de rara sabedoria -
orquestrava
os movimentos
da
tropa...
dos
companheiros...
e
até os da cuscada!
Mas...
num
dia em que o vento norte
-
agourento - tropeava nuvens,
e o
rebanho branqueava o pano
na
costa de mato
na
curva de um corredor,
com
um laço forte
num
sobre-lombo certeiro...
...a
morte - “unha-de-gato” -
sacou
o taura do lombo
do
seu picaço!...
Sim...
ficou
ali, num repente...
Hoje...
capatazeia
as nuvens
na tropa de alguma chuva,
deixando
o sorriso largo
nos
recuerdos de quem o viu,
um rastro
de bom parceiro
e,
n’algum cambicho... um vazio.
Tem
horas em que o vento
parece
que traz o som do seu:
“-Era boi!... Era boi!...”
“-Eraaaaaaaa...”
É
certo...
Dom
Nicácio
não
monta mais um picaço,
nem
o baio pêlo do dia...
Emponchado
de poesia,
é
lenda em roda de mate
e
estrela luzindo à testa
das
noites aqui do sul!
*
Poema gentilmente cedido pelo autor. (9º Sesmaria)