Um pouco a pé,
um pouco nas carretas,
cheguei até aqui com os pioneiros.
Vim desbravar um chão
desconhecido.
Terra selvagem;
mapa dividido
cortando a América, de sul a norte
(pobres
despojos da caça abatida
que a avidez de Algarve e de
Castela,
a dente e garra, repartia em dois.)
Depois ...
os ranchos de barro e taquara,
quincha de santa fé
- casa e trincheira -
e os palanques cravados no chão novo
- marcas de posse, sinais de
conquista.
As lavaredas dos fogões ao
vento,
drapejando no ar novas bandeiras,
nessas planuras de perder de vista..
Num orago
a imagem protetora
trazida de além-mar - santa e padroeira -
aos pés da qual rezei
quando as estrelas
punham velas no altar do fim do dia.
Plantei a terra aberta pela
enxada
pra o milagre do sonho
e da semente.
Dei ternura e amor ao meu
marido;
povoei com filhos a terra abençoada.
Partejei como os bugres meus
filhotes.
Cada macho nascido
outro gaúcho,
um ginete, uma lança, uma outra
espada!
Cada fêmea arrancada do meu
ventre
outra esquecida, nessa luta inglória
de ser mulher
no amanhecer da história
escrita pelos homens, simplesmente.
Fui mulher e fui mãe,
fui curandeira,
fiz promessas, chorei,
benzi tormentas;
aprendi rezas pra amansar a morte;
cantei cantigas e curei
feridas.
Com pão e vinho celebrei a
vida
com os olhos no céu
tracei meu norte.
Com mil cruzes
pontuei o meu passado,
ao enterrar os mortos pelas guerras
que mudaram fronteiras e tratados.
Na saga que vivi no
continente,
se nome tive algum foi Ana terra.
Pois, como Anita,
andei fazendo guerra,
mas não abandonei a minha gente
que fez deste rincão
pátria e querência.
Pra viver aqui o tempo
inteiro,
anônima trilhei meu calvário
E desprezei o amor de
Garibaldi
para ser mulher de Pedro Missioneiro.
As lágrimas
verteram meu desgosto,
mas o sorriso iluminou meu rosto
pra o amor
que das penas nos redime.
Nas tempestades
que enfrentei na vida,
se me vergaram ventos, eu fui vime;
permaneci em pé
sem ser vencida.
Busco há duzentos anos o
horizonte,
lutando sempre contra o preconceito
de ser mulher
e de sentir no peito
amor por essa terra que é tão minha,
porque as vidas
vivi - todas as que tinha -
pra conquistá-la
e ter esse direito!