NAS ESTRELAS DAS ESPORAS

Colmar Pereira  Duarte

 

Esse baio era maleva!

E o Quirino bem sabia.

 

Bulido,

Sem ser domado,

Fora ficando aporreado,

Passando de mão em mão.

 

O bicho que não se doma

Descobre a força que tem.

Nenhum – por mais caborteiro!–

Nasce com balda ou com manha.

O bagual que não apanha

Não teme nem desconfia;

Com manuscio e carinho

Se amansa mais facilmente

Que com golpe e judiaria.

 

Procure o jeito, parceiro

- “quando se ganha o tirão,

não há bagual pescoceiro!

 

O segredo é ter paciência,

Pois, muito mais que o rigor,

É uma arma de valor

Pra vencer a resistência.

 

A vida ensina a razão,

Embora seja do agrado,

Ser bom não é obrigação;

Obrigação, é ser justo!

Toda injustiça revolta,

E a revolta tem um custo.

 

Quem tem as rédeas governa,

Mas é bom sempre lembrar

Que o bicho é mesmo que gente.

E até se comporta igual,

E toda força que tem,

E que pode usar pra o bem

Às vezes usa pra o mal.

 

Talvez por isso, esse baio

Aprendera a velhaquear,

E agora estava afamado

Por caborteiro e mesquinho.

Em seu lombo, sem basteira,

Não senta nem passarinho.

 

Quirino herdara, ao nascer,

Seu destino de ginete;

Porque ginete se nasce,

O mais, se pode aprender,

Entropilhava diplomas

Das “Criollas” que ganhara;

Bagé e Jesus Maria.

Osório  e Montevidéu,

E aquele baita troféu

De ‘Campeão de Vacaria”.

 

Por certo já estava escrito

Nas estrelas das esporas

Que esse dia ia chegar.

 

E foi assim -  campo a fora –

Que a vida juntou os dois.

Um por maula,

Outro por bueno;

Um  - remédio,

Outro - veneno.

Numa porfia”garruda”,

Na qual não se tem ajuda,

Quem pode mais chora menos.

 

Dois corvos que voavam baixo

Se alçaram buscando altura,

E a calma dessa planura,

Na manhã ensolarada,

Foi bruscamente cortada

Pela silhueta andulante

Do cavalo e do ginete,

Era a força da tormenta

Levando tudo por diante,

A corcovos e porrete.

À esperas e negaceio.

 

Não tinha pra quê nem quando!

Se a terra se abrisse ao meio

- sem se importar co’a desgraça –

Seguiram cotejando,

Chão a dentro, tempo a fora!

 

Não sei qual era o mais taura,

Não sei qual era o mais potro;

Mas nenhum venceu o outro,

Pois, num golpe derradeiro,

O baio, em plena corrida,

Corcoveando, se boleia.

E os dois se foram da vida!

 

Mas essa briga renhida

Nunca chegaria ao fim.

Acolherados, assim,

Os dois com a mesma sorte,

Morriam da mesma morte

Pra continuarem depois.

 

Se os maulas vão pra o inferno,

Se quem é bom vai pra o céu,

É mui difícil  saber

Pra onde foram os dois...

 

Se o baio levou o Quirino

Pra ginetear no inferno;

Se o ginete levou o baio

Junto com ele

Pra o céu.