HERANÇA
Colmar
Pereira Duarte
Vim de um tempo em que as distâncias
eram léguas de silêncio
e o pampa, um deserto verde.
Vim de um tempo em que as moradas
tinham de barro as paredes.
Do mesmo barro que Deus
- soprando espírito e vida -
criou os homens também.
Vim de um tempo em que as agruras
não assustavam ninguém.
Viver era contingência
imposta pelo destino
que se cortava mui cedo.
Morrer não metia medo;
metia medo viver.
A vida era peleaguda!
No diagrama das estradas
a morte andava a cabresto
- era cavalo de muda.
Chegava às vezes, violenta,
nas armas dos bandoleiros
que não respeitavam nada.
Cruzando esta terra nua
castelhanos ou charruas,
buscando moedas e fêmeas,
matavam por patacoada.
A vida pouco importava
pra quem vivia pra nada.
Matar ou morrer é o mesmo
quando nada nos espera.
Há um coração tapera
num maula de alma vazia.
Por isso, essa rebeldia
que fere, mata ou apaga
com o aço de uma adaga,
com o chumbo da garrucha.
Vim dessa terra gaúcha.
Vim desse tempo distante,
marcado pela coragem.
E, se trago do passado
o estigma dessa imagem
que ao meu destino se aferra,
carrego, do mesmo jeito,
crisografada em meu peito,
a herança que vem da terra
na genética memória.
Eu vi nascerem as lendas!
Eu vi começar a história!
E pra cada cruz cravada
muitas estrelas nascidas.
Multipliquei minhas vidas
gerando filhos pra o mundo.
Celebrei com acalantos
o milagre da existência.
Fui madrinha e referência
pra justiça e o perdão.
Conservo em meu coração
o amor que a tudo vence.
Sou terra e tenacidade.
Sou luta por liberdade.
Sou a mulher rio-grandense!