Caravoltas
Colmar
Pereira Duarte
Gaudério. Sem cabrestos nem
colheras
Para me tironear o coração.
Atrelava nos ventos meu destino.
Caminhava
Pensando que jamais voltaria a pisar,
A mesma estrada.
Os pingos que montava
Em minhas andanças
Eu mesmo arrocinara com paciência.
E como eu
Não tinham mais querência
Nem recuerdos pesando na garupa.
Calejaram os queixos nos caminhos,
Esbarraram de freio nas porteiras,
E das huellas sem fim dos corredores
Eu fiz raias,
Sem laços, nem bandeiras.
Nas noites mansas,
Se o clarão da cheia
Inundava de lua essas planuras,
Nem me detinha pra rondar um sonho.
Viajava sem descanso a noite inteira
Ao compasso do aço da barbela,
E o cricrilar da espora cantadeira.
Ia esperar o sol noutro horizonte
Miscigenando tintas e matizes
Na tela das manhãs,
Pintando auroras.
A liberdade era meu poncho ao vento.
Para viver com ela
Alcei-a na garupa do meu flete
Quando fechei pra sempre essa cancela
Que se abria entre o rancho e a estrada real.
A ostentava como um estandarte;
A carregava como uma bandeira.
Enchia o peito com orgulho dela
Se de passada por um vilarejo
Alguém, desde a moldura da janela,
Olhasse com inveja, deste andejo.
Ninguém a via.
Mas lá estava ela,
Fita vermelha e flor no cabelo.
Saia estendida sobre a anca escura
De um zaino negro de lunar no pelo.
Abraçando a sorrir, minha cintura.
E eu me sentia em cima do cavalo
Dono da minha sorte, como não!
Certo de que o destino a gente faz
Era livre para andar
Sem deixar rastro que fizesse sequer,
Olhar pra trás.
Coração duro como pedra moura.
Terra seca,
Onde dormiam sementes
Sem despertar pra o ciclo desta vida.
Sem germinar a flor.
Não sei chorar.
Talvez por preconceito.
"Home não chora!" me cobraram tanto,
Quando num talho ou num tonto de mau jeito
Marejavam meus olhos, dor e espanto.
E também aprendi com os mais antigos
Que potro a gente doma e fez cavalo.
Que a mulher foi criada por Deus pra ser da gente,
E assim
Se amansa o chucro e escolhe a china
Conforme dá na telha, simplesmente.
Mas desde o dia em que deixei seu rancho.
E a chinoca acenando da cancela
Já não me satisfez seguir os ventos
E anda comigo uma lembrança dela
Que não sai da cabeça um só momento.
Eu não sabia desse sentimento,
Que anda me segurando como um laço
Que me deixa atordoado e desatento,
Me tira o sono, e me confunde o passo.
Amanhã, volto ao rancho onde ela mora!
Que home não chora, não é bem assim.
Vou lhe falar de amor, talvez chorando!
E ela que faça o que quiser de mim...