Rastros de História e Tempo
Cláudio Silveira e Cristino Ferreira
Num trono de crina e cascos
a vida se fez campeira,
sem razões,
só por ser...
nada mais.
A liturgia de um fogo
com brasedos de aroeira,
esquentou a marca
que estampou em mim
esse jeito de querência antiga,
dos meus ancestrais.
Ecos que retemperam
o meu instinto de campeiro,
meu talarear galponeiro,
sempre em timbres de fundo de campo
com acordes de aramado.
Os meus olhos bombeiam, ao
longe,
os luzeiros dessas madrugadas,
que apontam no horizonte
com lume de pirilampos
e lembranças estradeiras.
A cada gole do amargo,
como a crismar o meu ser,
vou repassando meu mundo
num ruminar silente
que então me faz perceber:
calçando um par de esporas,
minhas botas surradas,
já remarcadas por tentos
que juntei de mim - como eu –
vão a envelhecer...
E são esses ferros
que riscam o chão
até o encontro do pingo,
num rastro antigo
que não canso de ver,
e que o tempo
- envaidecido de progresso -
persiste em varrer.
Ah!...
Se o tempo novo soubesse
da essência do rastro que deixam
as rosetas das minhas esporas;
se tivesse a metade da firmeza
dos meus tentos gastos;
talvez... não tivesse
a imprecisão de hoje
que oculta....mas leva por diante.
Se tivesse a força do aço que
trago
ao sul das garroneiras,
que me sujeitam a baguais
- em silêncio - mas firmes
em meio à polvadeira.
E depois...
...cantam juntas,
por serem capazes
e por serem iguais!
La maula!...
Os olhos desse mundo novo
julgam meus trastes
como antiguidades sem serventia,
no mais... relíquias,
pra se guardar no fundo
de um ranchito pobre
e silenciar seu canto,
a se afogar num pranto
que enzinabra a história
sob a poeira espessa
do que foram um dia.
Parece que esse mundo não
sabe
que os ferros que trago
foram templados a fogo e marraço,
e hoje tem essa moldura
igual a do pago...
...que se forjou a ferro, fogo
e a pata de cavalo,
onde lá estavam
a firmeza e a essência
de um par de esporas,
deixando o meu rastro!
E permanecem iguais,
porque iguais são as funções,
atravessando as eras,
passando de um para outro,
das rudes mãos dos ferreiros
para os garrões dos índios qüeras,
os firmando no lombo dos potros,
escrevendo a história... dia a dia.