Armorial de Campo e Estrada

Cláudio Silveira

 

...Aos que tem Rumo e Querência - sempre sobram motivos pra voltar!...

Pra quem nunca teve norte - pouco importa a direção dos ventos...

...Filosofias de galpão pelas tardes de garoa,

De quem nasceu no campo - quando a vivência era a lei maior...

(A primitiva hierarquia transcendente).

E os velhos eram esteios - sustentando sina e rancho...

 

...Mais antigos que a saudade,

Os cinamômos sombreavam pelos ressojos

Fletes de “todo serviço...

O galpão era qual mangrulho,

Onde se comungavam dos mesmos ritos...

 

Mas... quando a palavra corta na alma,

E a inquisição mal proferida - transcende limites,

Esvai-se um sonho longínquo e afloram outras verdades...

E foi assim que eu avistei além dos olhos e das paisagens,

Além das dobras de campo... dos horizontes enfumaçados...

Além da curva da estrada...

 

Com a mão firme no látego - deitando o corpo levemente pra tráz -

Eu encilhei a capricho!...

E com trinos de ponte-suela embalei minha sorte,

Que se apontava por conta de um trote estradeiro

- Da baia “das mias confianças” -

Sem saber que meu poncho contra o vento...

Era abano de partida de quem jamais voltaria!...

 

...Meu rancho passou a ser à volta dos corredores,

Quinchado de céu e sol e - a noite - com “mil goteiras de estrelas...”

Eu só tinha por parceira a alma nativa dos matos,

Que ficara pelos cernes dos contra-mestres que sujeitam os alambrados...

As crinas das labaredas - retovavam junto ao lume das alvoradas - imagens e visagens

De um “universo perdido” que eu achara despacito...

Porque “estrada” - é uma escola... e andejar  ensina,

A quem tem sede de justiça e anseia por liberdade...

Nos doma!... Sacia!... E batiza com poeiras e intempéries

Das quais o rancho da gente resguarda – enquanto habitamos nele...

 

...Segui por rumos desconhecidos...

Avistei outros ranchos... semelhanças - diferenças, que campo e estrada revelam...

Boleei a perna pelas estâncias que ornamentavam estes fundões olvidados...

...Amadrinhei veiacos!... E me mesclei a eles!...

Assuntei com vozes – daqueles que ocultavam na meia-luz  dos galpões,

Entre o véu cinzento e bailarino de “corda e palha”,

A tez de semblantes judiados - balbuciando junto ao fogo e o amargo,

Inquietudes segredadas - trazidas de tempos imemoriais...

 

A lo largo... goles da “água benta dos xucros”...

Para crismar, algum fragmento de saudade e arrucinar recuerdos e anseios,

Que o “pensamento tropeiro”, reponta quando vagueamos solitos...

Pois até com a solidão das porteiras - aprendi os meneios e sentidos

De se abrir caminhos... fechá-los.. e seguir ou não seguir por eles...

...Fui compreendendo  - que “paciência” é “irmã gêmea do tempo”,

No sem fim destes repechos - dos que chegam e dos que vão...

De maneira que cada naco de chão é um pedaço da história

De alguém que estradeou vida afora!...

 

Perlongar a incerteza dessas trilhas,

Já não saciava a minha alma de andejo!...

As imensidades, baldavam de a pouco as ganas arrinconadas que’u trazia no meu peito...

Eu era um misto “desertor” e “selvagem” ferido no campo aberto!...

...Assim os olhares das janelas e bolichos passaram a me julgar...

Entre o receio de um “novo horizonte a seguir”,

E as contrariedades de voltar,

Algo era mais claro que a mais límpida das vertentes:

- Jamais  - eu seria o mesmo novamente!...

As eras nos deixam marcas memoráveis que só nos levam pra adiante!...

Mas nossos rumos terrenos são estações que se mudam

Conforme as tantas volteadas e precisões de viver...

 

...Um dia... (repisando talvez o próprio rastro),

Avistei ao longe uma morada...

Ela tinha sombras viçosas e pingos pastando perto...

No varal – tremulavam vestidos, bombachas e “roupinhas de um rebento

Que pareciam embalar-se com o trinar dos pássaros cantores

E o murmuro de uma aguada cristalina - serpenteando junto à tosca e o pedregal...

“... O mundo parou num vistaço!...

Foi então que eu percebi - que um “homem” precisa de força –

Para suster seu pensar quando se está com razão,

E “tropas de coragem” – para se ter uma ponta de humildade

E aceitar quando é hora de volver  - ou de erguer a cabeça - fazer seu norte,

Dando rédeas ao seu próprio coração!...

 

...Passei a andejar sonhando...

...Sonhos que nunca sonhara...

No mais profundo do ser - eu almejava calmarias - imagens e sonoridades,

Que eu invejara inocente do quadro daquela morada - que’u avistei junto à estrada!...

 

...Por fim - encontrei parador...

Tal qual os cinamômos que deixara - eu também cambiei a fronde,

Porém - sustive a raiz que eu replantei n’outro chão!...

Elevei meu baluarte... para nele fomentar os sonhos que juntei “andariego”,

Plantar a minha própria descendência e sacear a mim mesmo,

Pra nunca mais me perder!...