A Quem Embuçala os Sonhos
Cláudio Silveira
Enquanto um “hornero”,
Faz bombeador da cabeça de um
palanque,
(na liturgia antiga de chamar
o dia em “tempraneras” clarinadas)
Antônio Estarrabachél, “empeza”
a lida com o sentar crioulo de basteiras,
(num bulido “muy” sestroso,
remarcado do bocal...)
Ateia as primeiras luzes de
um crepúsculo pampeano
com as centelhas da alma,
na ascendência terrunha que
desliza
em suas veias e artérias...
pois a lida lhe crismara
“changueador”
bem antes de sua própria vida
existir;
talvez porque o pai (naqueles
tempos de antanho)
fundeava trilhas compridas e
recruzava corredores e estradas
pra transpassar horizontes
com tropas largas e
cavalhadas de muda por diante...
...Campeia a volta...acha!...
e entrega uma forquilha
costumeira dos recaus...
ao trote...sai pechando as
barras de um novo dia nos encontros do bagual...
no “bocó” juntos aos arreios
a “corneta” (tesoura buena)
de folhas bem “templadas”...
pois no “Don Feliciano” “hay”
matraquear de comparsa...
No caminho para a estância
o pensamento revoa...
tremula revolto topando o
vento,
tal qual a crina dos “pajonais”
na vastidão da planura,
e as franjas de um “palita”
castelhano, drapejando,
com cismas de rancho e
bandeira...
nesta hora até o silêncio se
cala,
para ouvir a tessitura dos
cascos,
o trino campeiro das rosetas
das esporas,
e o rangido de um basto
(sovado a “bolcadas” dos baguais que encilhou).
As léguas que o apartam,
vão mostrando pouco-a-pouco
entre o serenal
as velhas cicatrizes do chão
(fundeadas do entrecruzar dos tantos,
que viveram prisioneiros da
mística dos caminhos...)
hoje marcas solitárias,
que findam na ausência das
marchas e tropéis,
à mercê das erosões das
chuvas e dos areais...
O tempo despatriou campeiros
do trono realengo das garras,
para catequizar os índios
pavenas
paridos no campo a fora
com outras lides e crenças...
maculou o sangue centauro e
potreador
com a “santa benção do futuro”
e fez sulcos das trilhas
tropeiras
para semear agruras aos que
encilhavam o lombo xucro do próprio destino;
dissipou a imagem barbaresca
e campechana
dos bravos homens que
habitavam os rincões,
até emangueirá-los nas
trampas dos arrabaldes,
junto à penumbra dos
submundos...
lugar que resta aos que
nascem com a sina de habitar galpões,
encilhar ventenas e recorrer
invernadas,
mas por suas efêmeras ilusões
definham atraídos pelo ouropél
dos luzeiros das cidades...
...depois das léguas...
as retinas nebulosas de
remembranças e distâncias,
trocam as luzes fogoneira da
memória,
pela visagem sombria da solidão da porteira...
...apeia...sem pressa...(com
porte bélico e com o bagual mais sujeito)...
“A tranquera” dá seu
“buenas!” num ranger dolente,
tal como vóz de um passado
longínquo,
ainda ecoando pelas várzeas e
canhadas...
...por fim a estância...
a lida e a vida que forjou a
si e os seus...
o sustento e a forma de torná-los
imortais,
diante das muitas cruzes e
taperas,
ou quem sabe quimeras
de seu mundo não findar
jamais!?...
...a clausura de um fundão
dá-lhe a impressão de estar
salvo!...livre!...
então um riso lhe aflora a
face
bem quando as vozes da
peonada pelos ares
saem de encontro a seus
tímpanos e sentidos...
por um momento o som que ecoa
das mangueiras e galpões
“lhe transporta” a tempos e
lugares perdidos,
sem saber como os perdeu...
...E neste mesmo instante
olfateia e pensa:
-enquanto o verde das
paisagens
se fizer pendão das minhas
esperanças,
e potrilhos recém lambidos
cambalearem entre o macegal,
eu hei de calçar “potreras”
para alumbrar auroras
com estrelas cantoras,riscando
o pêlo dos fletes
e embuçalando os meus sonhos!