SOLIDÃO E PAZ

Carlos Omar Villela Gomes

 Meu olhar revoa nesta hora mansa,

talvez um anjo me acarinhe agora;

os sonhos vertem cores, a singrar lembranças...

As cores de paisagens que jamais perdi.

 

As imagens que se achegam são pequenos pássaros,

trazendo tantas luzes de um momento eterno...

Um fogo de alma plena, espantando invernos,

e a história no meu rosto, resumindo os traços.

 

Lhes juro, pois é verdade!

Foi assim que aconteceu...

 

Eu vinha de muito longe,

de muito além desta serra...

O olhar já meio turvo

de poeira e de cansaço.

Eu vinha buscando vida

por tantos dias iguais...

Carreta, sonho e família,

seguindo um rumo de paz!

 

Outros tantos vinham junto,

tantas carretas rangendo...

Horizontes de esperança

despontando em cada olhar.

Muitos meses, muitas léguas,

muitas pedras no caminho...

A sorte buscando ninho

e uma história por criar.

 

Eu vinha de muito longe,

mas vinha certo e feliz...

Vinha escrever meu destino

no extremo sul do país.

Trazia a alma lavada

e a imagem da Mãe de Deus

abençoando a jornada.

 

Num certo final de tarde

de um certo dia qualquer,

buscando a felicidade

sem saber onde chegar,

montamos acampamento

em cima de uma colina,

que por mistérios da vida

era paz e solidão.

 

Entre o Planalto e a Serra

se fez a revelação.

 

Outro dia amanheceu,

mas não um dia comum...

Levantei quase de pronto,

esfreguei os olhos baços,

como espantando o cansaço

e o sono, que insistia

em me envolver nos seus braços.

 

Olhei os campos bonitos

do alto da colina,

que também nesse momento

era paz e solidão.

Era a própria natureza

em poesia e soledade...

Uma voz de liberdade

a ecoar na imensidão.

 

Mas o tempo segue e a jornada segue

e o horizonte obrigava a andar...

 

Embarcamos quietos na carreta velha,

afinal, a vida tinha que seguir.

Caravana pronta, ordem de avançar...

Mas cada silêncio em cada carreta,

remoía inquieto solidão e paz.

 

Foi então que aconteceu...

Lhes conto, pois é verdade!

Pelos meus cabelos brancos,

por estas mãos calejadas,

eu juro que aconteceu!

 

Quando quisemos partir,

a carreta que levava

a imagem da Mãe de Deus,

de repente se quebrou;

num upa se consertou

e ela quebrou outra vez.

Novo conserto se fez,

mais forte, com mais cuidado...

O eixo foi reforçado

e ela quebrou outra vez!!


Tentamos puxar os bois

e os bois então se negaram...

Empacaram, apanharam,

mas não saíram dali.

Afinal, o que existia...

O que havia demais

nessa colina tão plena

de solidão e de paz?

 

Nossa Senhora sorria

em cima do rude altar

que a carreta oferecia...

Pois afinal, nesse dia

escolhera o seu lugar!

 

Então ficamos ali

com tantas indagações...

Mas todas bem respondidas

pelos nossos corações.

Nossa Senhora escolheu

os campos de Soledade

pra serem, pela eternidade,

querência da Mãe de Deus!

 

Aquela noite dormi

um sono doce e sonhei demais...

Sonhei com uma capela

se erguendo linda e na volta dela

muito mais que apenas solidão e paz.

 

Sonhei com ranchos humildes

e com pessoas felizes a construir ideais...

Sonhei com largas estâncias

e homens vencendo distâncias,

levando a tantas querências

o sumo bom dos ervais.

 

Sonhei com grandes rebanhos

crescendo em cima da serra

e lavouras de fartura

dourando a pele da terra.

Sonhei com homens honrados

e mulheres debruçadas

nas janelas de um povoado.

 

Sonhei que Nossa Senhora

ofertou seu coração

e semeou estrelas lindas,

plantando céu neste chão.

Sonhei com homens colhendo

essas estrelas bonitas

que eram riquezas benditas

luzindo ao toque das mãos.

 

Então sonhei e sonhei,

até que enfim, despertei

e continuei a sonhar...

Pelo tempo e pela vida,

entre o planalto e a serra,

fiz meu destino e meu lar.

 

A capela é logo ali...

Nossa Senhora sorri

em cima do seu altar.

 

Lhes juro, pois é verdade!

Nos campos de Soledade

foi assim que aconteceu...

 

O que será dos meus sonhos,

o futuro dirá...

Nossa Senhora talvez saiba mais.

Quem sabe um dia alguém contará

a mais bela história de um certo lugar,

que era somente solidão e paz!!