O HOMEM QUE
ENCANTAVA FACAS
7º Seival da Poesia Gaúcha – 08.07.06
1º Lugar Intérprete
Autor: Carlos Omar Villela Gomes
Declamador: Romeu Weber
Amadrinhador: Geraldo Trindade
O talho que fere fundo
não mostra a sina da faca...
a faca é mais que seu corte...
É mais que o golpe do braço.
É mais que um beijo de morte
ou um romance da chaira...
a faca é a história que paira
no céu gelado do aço.
A faca pose ser bruma
quando usada pra o mal....
envolvendo algum vivente
no seu feitiço fatal.
Ou também pode ser sol
clareando os melhores rumos
se tenteia alguma lonca
ou se está picando fumo.
Não se sabia o porquê,
não se sabia a razão...
as facas o procuravam...
se achegavam encantadas
e vinham de tantos lados
que a dita rosa dos ventos
parecia pequenina,
talvez um mero botão.
Era um homem normal
mas nem de perto comum...
talvez jeito, talvez sorte,
talvez por longa visão,
enxergava cada faca
feito quem vê uma missão.
Adorava cada faca,
adotava cada faca
com a querença de um pai.
Um regalo de um amigo,
uma herança de um avô...
um achado em campo aberto,
que algum gaudério extraviou.
Tinha uma deste moço
que de muito lhe valeu...
e outra que fez costado
quando o moço envelheceu.
Aquela, aço “Sholberg”,
ele sabe de onde veio,
mas não conta pra ninguém...
e a templa do “Marca Touro”
faz rima com o “Besouro”
na parte alta da estante...
(porque facão é somente)
o aumentativo da faca...
seu porte assim lhe garante!)
A “Solingen”
bem cuidada,
logo abaixo do “Formiga”,
costeia uma orelhana
que foi tesoura de esquila.
Que sina estranha da faca
que um dia já foi tesoura,
tosando velos e sonhos
pelas manhãs de comparsa.
Imita a sina dos homens
em constante mutação,
somando metamorfoses
que o tempo nunca disfarça.
E a faca de castração,
quanto estrago já fez....
tanto touro trasmudado
em boi, de uma só vez.
O gado, sem qualquer chance,
perdia os bagos e a essência
nesse medonho destino
de não deixar descendência.
O homem corre seus olhos
em cada faca pousada,
feito um bando de andorinhas
cansadas da revoada,
e cada faca se entrega
pra ele e pra mais ninguém...
pois nesse instante sua alma
se entrega a elas também.
A sina da faca é febre
quando a mão assim o quer...
pode ser golpe de maula
ou carinho de mulher.
Pode ser tigre na jaula
ou um caminho qualquer.
Mas ele mira as suas facas,
que parecem encantadas,
com olhos ternos de pai...
Algumas têm na bagagem
tanto sangue derramado...
umas por causas de honra,
de tantos sonhos cortados
por atos bem mais malinos
que a faca pode criar.
Outras por mero capricho
por um olhar ou cochicho,
quando gente vira bicho
numa peleia de bar.
O homem sabe os segredos,
guardados a sete chaves,
que cada faca contou.
Também sabe que na vida
somos do porte e do jeito
que o mundo nos temperou.
Que cada faca é encantada
como a vida nos encanta,
quando partimos do nada
pra um sonho que se agiganta.
Mas quando a vida maltrata
também podemos ser faca
buscando alguma garganta.
Assim foi por muito tempo
concebendo seus conceitos...
e hoje entende que a faca
que se crava nalgum peito
pode ser a mesma faca
que descasca uma maçã.
Porque a faca, meus senhores,
não é torta nem direita...
é instrumento de trabalho
ou falta de respeito...
depende exclusivamente
de quem a toma nas mãos...
se tem luzeiros na alma
ou feras no coração!
Se tem a paz que dá alento
ou a fúria que incandesce;
É o braço que dita as
regras...
a faca só lhe obedece!