O GRANDE ANÃO
Carlos Omar Villela Gomes
O grande anão não usava
alpargatas
Nem botas de cano alto...
Andava de pé no chão.
Ia despacito
criando rumos no seu itinerário incerto
Um bolicho
de quando em vez, um trago no más,
E uma
risada misto pena e complacência
Com todos que o chacoteavam
por esses balcões da vida.
O grande anão temia
fantasmas...
Assombrava-os com sua
grandeza
De saber ser pequeno entre os
grandes.
Remoia-os em cada silêncio,
em cada soluço, em cada luar.
Era um sonho, um suspiro, um
pesadelo,
Um sinuelo
de embates o grande anão.
Por vezes apertava os olhos
pequeninos em direção do horizonte,
Tentando antever o que lhe
reservava o amanhã,
Pois era rumo ao horizonte
que seguia,
Cada vez mais longe de sua
terra, cada vez mais perto de si.
O grande anão não tinha
dialetos,
Valava o idioma dos ventos...
Das aves, das plantas, dos
bichos.
Língua humana, pra que língua
humana?
Língua humana era usada para
humilharem,
ou desprezarem,
Para o perseguirem.
Lí9ngua humana não!
Humanidade, palavra estranha
Pra definir quem pisa num
igual...
Igual! Talvez não pelo
tamanho,
Mas igual em ser um homem,
Em ter alma, ter
consciência...
Mas igual em ser humano,
Coisa que muitos humanos,
Altos, ricos, soberanos,
Por certo não sabem ser.
Era difícil ser grande
Em um corpo tão minguado...
Desde piazito
sentia
A ignorância dos homens
Já no ventre da família.
Anão, não vai ao bolicho,
Anão, não brinca na sanga,
Anão, não corre carreira!
Anão é bicho na canga!
Anão, carrega esse balde!
Anão não serve pra peão!
Arranca as ervas daninhas,
Tu tá
mais perto do chão!
O preconceito aflorava em
cada dia da vida...
Em cada olhar desconfiado
Que as moças lhe desviavam,
Em cada tom debochado
Das conversas dos vizinhos...
Em cada baile na vila
Que não encontrava par.
Um dia cansou de tudo,
Cansou de ser pau mandado...
Cansou de ser uma sombra
Na estância e no povoado
E viu que a estrada chamava
E convidava pra andar.
Então andou e andou,
Caiu, sofreu, levantou...
E mesmo assim continuou...
Pois talvez lá no horizonte
Encontrasse uma querência
Onde ele fosse medido
Por sua honra, sua
decência...
Por sua coragem de taura,
Por sua bondade imensa,
Por tudo aquilo que pensa,
Por tudo aquilo que crê.
Já não cabiam na estrada
Suas pequenas pegadas...
Queria mais que os bretes.
Queria mais que esses trilhos de alambrados...
Já não cabia em seu corpo,
Pequeno corpo cansado,
Toda a grandeza da alma...
A alma queria vôos,
A alma queria sonhos,
A alma queria Deus,
Não apenas Deus em sua forma
mística,
Mas um Deus que abraça, um Deus que apóia,
Um Deus que acompanha lado a
lado,
Cada pequeno passo da grande
saga do mundo,
Um Deus que acima de tudo,
Mais do que pai é um irmão.
O grande anão não portava
adagas
Nem garrucha...
Não ostentava palas nem
lenços,
Tampouco tinha cavalo...
O grande anão por vezes
chorava com a chuva,
Por vezes luzia
com o sol.
Não dispunha de tentos nem
laços...
Se pealos
teve na vida,
Só os que a vida lhe deu,
O grande anão foi imenso
Em sua saga terrena,
Era maior que os maiores
Com suas almas pequenas...
Por minha alma pequena
Era maior do que eu!