O CORAJOSO

Carlos Omar Villela Gomes

 


Voluntário! Falou. Não disse o nome,

mas não foi  esse o apelido que ficou...

Os nervos de aço, os braços de tarumã,

grandes olhos negros feito a própria guerra

e uma compulsão indescritível pelo incerto,

pois incerta é a cruz de um voluntário.

 

Voluntário! Foi o que disse na tarde derradeira...

Um piquete, um coronel, um ideal,

o lenço rubro a incendiar no peito

e o fio da espada a prenunciar o mal.

 

Na soleira um beijo na prenda

e um abraço em cada um dos filhos...

 

A vida é assim, pensou, existem coisas

que um macho deve encarar de frente...

Então deixou seu rancho, sua gente

e partiu, seguindo cego o coronel.

 

A marcha já durava mais de um mês,

seguindo firme a desenhar estradas;

arroios, banhadais, minuano, geada

e um que outro tilintar de aço.

 

O julho cortava firme com sua lâmina de frio

e mais fria ainda ficaria aquela tarde,

pois na beirada de um capão antigo

uma tocaia lhes tomou a vez.

A saraivada de chumbo fez morada

na tez morena dos de lenço rubro...

dali a pouco o aço, a cavalhada

e uma carga, descendo o coxilhão.

 

O coronel, cavalo morto, resistia

honrando o sangue corrente em suas veias,

mas a tocaia é uma imensa teia

que enreda até o mais valente ser.

 

Seis para um era a conta da peleia,

conta brutal que o resultado é a morte...

Mas, de a cavalo, “inda” brigava um forte,

fazendo carga contra o fogo algoz.

Era ele sim, o voluntário...

Aquele que deixou sua família

para se embretar no ventre da guerrilha

atrás e um sonho que julgava seu.

 

Meio de susto avistou o líder

acuado, quase sem defesa,

enquanto a corja afiava as presas

pra o banquete do festim mortal.

De repente um grito, um turbilhão,

ecoando no lugar, feito um trovão

de um tempo feio que tomasse o céu...

O fio da espada se tornou arado

lavrando a carne desses seis covardes

que se perderam, sem achar quartel;

E então, num galope alucinado

disparou pelo lançante o voluntário

levando na garupa o coronel.

 

Herói de guerra se fez voluntário,

e em outras tantas batalhas se esmerou...

Uma esquiva, a dor de um golpe seco

e outro corpo que se ia ao chão.

 

Corajoso, lhe chamavam os parceiros,

Corajoso, sim, pela bravura

de fazer brilhar por essa história escura

o sol maduro da honradez e do valor;

Numa outra tocaia traiçoeira

prisioneiro caiu, foi resgatado

por outro índio de igual tutano

antes que a “criolla” lhe mostrasse a cor.

 

Muitas lutas travou o corajoso,

por tantas cargas, machucando o pasto...

Mesma firmeza no semblante gasto,

mas já cansado de viver assim;

Até que um dia a rosa pálida da paz

desabrochou nas agruras dessa terra,

e a rapinagem. o furor da guerra

nesse momento, chegou ao fim.

 

Então se foi o Corajoso, rumo ao rancho,

buscando o alento e a fé de sua “flor”...

“De que tamanho já estarão os filhos?”

“Será que o campo continua verde?”

Tantas perguntas de quem tem saudade

e não se agüenta para poder voltar.

 

Queria um mate, uma prosa, uma ternura

e os olhos mansos da mulher amada...

Queria tudo o que perdeu na estrada;

Queria a chance de achar guarida;

Chegou então o corajoso ao pago...

Encontrou o rancho abandonado

e quatro cruzes repousando ao lado,

braços abertos como em despedida..

 

E então, percebeu o voluntário

que este foi o saldo do inventário

dessa coragem que mostrou na vida!!!