COSTEANDO O MUNDO

 

Carlos Omar V. Gomes

 

Não se debruçam meus sonhos

Em parapeitos rachados...

Nem nas janelas gradeadas

Que teimam em se fechar.

Não soluçam os meus medos

Em segredos mal contados

Ou em sombras embaladas

Feito bandeiras no ar!

 

Vidrilhos não são espelhos

Nem espíritos quebrados...

Pegadas não são retratos

De passos sem pretensão.

Estradas não são divisas

Separando os alambrados

E o amor não é somente

Um vício do coração.

 

Tem uma cepa, alguns dizem,

Que já não existe mais...

Que já sumiram as tropas...

Que as carretas são silêncio

Em forma de monumentos

Nos centros de tradição.

Talvez por não terem olhos

Pra quem não julgam iguais.

Talvez por não terem calma

Pra olharem seu próprio chão.

 

Quem diz que não há mais tropas?

Há tropas sim, meu senhor...

Por esses fundos de estrada

Há sempre alguma boiada

E alguém fazendo fiador.

Alguém trazendo na boca

O tempo num Êra Boi...

Meu Deus, que barbaridade...

Por que semeiam saudades

Daquilo que não se foi?

 

Quem diz que não há carretas?

Em algum canto e recanto

Há sempre um eixo rangendo,

Um carreteiro esmerado...

Há sempre um boi picaneado

Em nome de uma pressa

Que quem cutuca não tem.

 

Por que se teima em negar

O que persiste vivendo?

Por certo costeando o mundo

Ninguém consegue enxergar

O que ele tem de melhor.

 

Não se enxerga a valentia

Que habita o peito do moço...

Não se encontra a luz que a moça

Irradia em seu andar...

Não se nota o potro bueno

Se esbaldando num retoço...

Não se vê o barco nas águas

Nem a pandorga no ar.

 

Porque falar de pandorgas num tempo de “gigabites”

E de amizades virtuais?

Porque falar de valores, de poesias e de amores?

Será que os jardins se vestem de flores artificiais?

 

Será que este novo século

Secou nossos mananciais?

 

Acho que não, meu senhor...

O novo tempo está aí!

Com virtudes e defeitos

Plantados dentro de si.

Um tempo feito outros tempos,

Um tempo de construção

Onde se cria o futuro

Com o passado nas mãos.

 

Há beleza no que foi...

Há beleza no que é

E naquilo que será.

 

Não se teme a evolução,

Se aproveita o seu melhor...

Pra aprender não negamos

O que sabemos decor.

Nem pra manter as raízes

Devemos costear o mundo

Em vez de nele seguir.

A raiz diz de onde viemos

Mas no presente entendemos

Pra onde devemos ir.

 

Não me sinto dividido

Nem um vulto do passado

Sou gaúcho do presente,

De um mundo globalizado

Onde antenas parabólicas

E celulares modernos

Contraponteiam ligeiros

Com o tranco da carreta

E o compasso das tropas

Que seguem no corredor.

 

Quem diz que não há mais alma

Então não sabe o que diz...

Não enxerga os horizontes

Nem consegue ser feliz.

As almas, fortes, persistem,

Insistem no mesmo tom...

Oferecendo ao seu tempo

Aquilo que tem de bom.

 

Bem assim é o nosso mundo,

Bem assim faz nossa gente...

Une passado e futuro

Sob o elo do presente.

 

Insiste em criar o novo

Honrando o mundo que herdou...

Entende bem o seu tempo,

Se forja a cada segundo,

Pois vive costeando o mundo

Quem nele não se encontrou!