Não se debruçam meus sonhos
Em parapeitos rachados...
Nem nas janelas gradeadas
Que teimam em se fechar.
Não soluçam os meus medos
Em segredos mal contados
Ou em sombras embaladas
Feito bandeiras no ar!
Vidrilhos não são espelhos
Nem espíritos quebrados...
Pegadas não são retratos
De passos sem pretensão.
Estradas não são divisas
Separando os alambrados
E o amor não é somente
Um vício do coração.
Tem uma cepa, alguns dizem,
Que já não existe mais...
Que já sumiram as tropas...
Que as carretas são silêncio
Em forma de monumentos
Nos centros de tradição.
Talvez por não terem olhos
Pra quem não julgam iguais.
Talvez por não terem calma
Pra olharem seu próprio chão.
Quem diz que não há mais tropas?
Há tropas sim, meu senhor...
Por esses fundos de estrada
Há sempre alguma boiada
E alguém fazendo fiador.
Alguém trazendo na boca
O tempo num Êra Boi...
Meu Deus, que barbaridade...
Por que semeiam saudades
Daquilo que não se foi?
Quem diz que não há carretas?
Em algum canto e recanto
Há sempre um eixo rangendo,
Um carreteiro esmerado...
Há sempre um boi picaneado
Em nome de uma pressa
Que quem cutuca não tem.
Por que se teima em negar
O que persiste vivendo?
Por certo costeando o mundo
Ninguém consegue enxergar
O que ele tem de melhor.
Não se enxerga a valentia
Que habita o peito do moço...
Não se encontra a luz que a moça
Irradia em seu andar...
Não se nota o potro bueno
Se esbaldando num retoço...
Não se vê o barco nas águas
Nem a pandorga no ar.
Porque falar de pandorgas num tempo de “gigabites”
E de amizades virtuais?
Porque falar de valores, de poesias e de amores?
Será que os jardins se vestem de flores artificiais?
Será que este novo século
Secou nossos mananciais?
Acho que não, meu senhor...
O novo tempo está aí!
Com virtudes e defeitos
Plantados dentro de si.
Um tempo feito outros tempos,
Um tempo de construção
Onde se cria o futuro
Com o passado nas mãos.
Há beleza no que foi...
Há beleza no que é
E naquilo que será.
Não se teme a evolução,
Se aproveita o seu melhor...
Pra aprender não negamos
O que sabemos decor.
Nem pra manter as raízes
Devemos costear o mundo
Em vez de nele seguir.
A raiz diz de onde viemos
Mas no presente entendemos
Pra onde devemos ir.
Não me sinto dividido
Nem um vulto do passado
Sou gaúcho do presente,
De um mundo globalizado
Onde antenas parabólicas
E celulares modernos
Contraponteiam ligeiros
Com o tranco da carreta
E o compasso das tropas
Que seguem no corredor.
Quem diz que não há mais alma
Então não sabe o que diz...
Não enxerga os horizontes
Nem consegue ser feliz.
As almas, fortes, persistem,
Insistem no mesmo tom...
Oferecendo ao seu tempo
Aquilo que tem de bom.
Bem assim é o nosso mundo,
Bem assim faz nossa gente...
Une passado e futuro
Sob o elo do presente.
Insiste em criar o novo
Honrando o mundo que herdou...
Entende bem o seu tempo,
Se forja a cada segundo,
Pois vive costeando o mundo
Quem nele não se encontrou!