DA VIDA DE UMA HEROÍNA

Carlos Eugênio Costa da Silva

 

Quem diz que mulher é frágil

e aos homens não se compara,

não sabe o que se depara

na vida da mulher rural.

No campo tudo é igual

grande é o sacrifício,

adulto, criança ou velho,

todos têm o mesmo ofício.

 

Foi sempre assim minha vida

de sol-a-sol trabalhando,

ao pai sempre ajudando

junto com os meus irmãos.

Fazia um fogo de chão,

a comida esquentava

e este era o único tempo

em que a gente descansava.

 

Como todas, eu sonhava,

em ter uma vida melhor,

e que não só o meu suor

valesse meu sustento

sonhava com o casamento,

em compor minha família,

e um marido companheiro

do meu lado em minha trilha.

 

Certa feita, na colheita,

um peão pediu emprego,

dizia: ando sem sossego

sossego é trabalhar,

se o senhor precisar

de mão-de-obra e ação,

comida e alguns trocados

pagam este peão.

 

Meu pai aceitou a proposta

reconhecendo o valor,

e o moço trabalhador

começou na mesma hora.

Entre nós logo aflora

uma paixão a contento

e depois de algum tempo

plantamos o casamento.

 

O sonho se realizou

pois minha família eu tinha

e por prêmio, logo vinha

o nosso primeiro filho

no estado um caminho

triste, já se desenhava:

A peleia está por vir...

Meu marido me contava.

 

Dizia ele: esposa,

não sei se é defeito ou se é luxo,

mas meu brio de gaúcho

alguma coisa me cobra.

E o tempo então se desdobra

e com “três mês de gestação”,

vi meu marido adorado

partir pra revolução.

 

Fiquei pensando comigo:

esta vida é mesmo estranha,

do destino a gente apanha

pois dura é a realidade.

Veio se então a saudade

e a revolução cresceu,

e numa noite tão linda

o nosso filho nasceu.

 

Me alegrei, pois era como,

se o seu pai ali eu visse,

passando alguém me disse:

Revolução é violenta;

mulher escuta e agüenta,

faz tempo que segui trilho,

mas teu heróico marido

não vai conhecer teu filho.

 

Me desesperei chorando

abraçada em meu filhinho:

não conhecerás teu paizinho

pois ele morreu peleando.

E os anos foram passando

e meu guri a perguntar:

Mãe, como era meu pai?

E eu ficava a lhe contar.

 

Teu pai era um homem sério,

fiel a todos e a tudo,

nunca teve um bom estudo

se formou pela lida

peleando perdeu a vida,

por certo está descansando.

mas  aonde quer que esteja

certamente está te olhando.

 

Quero ser igual ao pai.

pra mim ele dizia.

E se precisar um dia

também eu hei de lutar.

Até que um dia o tocar

do clarim já convocava,

e se foi pois o Rio Grande

de soldado precisava.

 

Se foi meu filho, e eu nada,

pra ficar, pude fazer.

Deus te guie, a dizer,

minha voz ficou embargada.

Se foi meu filho, e eu nada

pude fazer pra ficar

tomara filho, que voltes,

e  então tornei a chorar.

 

Sempre esperava notícias

mas esta nunca chegava.

Lá pro campo, se plantava,

tirava o leite ligeiro,

mas um dia o desespero

se acampou em meu costado

e vi meu filho sem vida

por outros ser carregado.

 

Sabia que era o fim

de tudo e também dos meus,

gritando disse pra Deus:

Porque toda esta desgraça,

quanto mais o tempo passa

mais eu fico infeliz,

e minha vida agora

é qual planta sem raiz.

 

Olhando meu filho morto

lhe disse assim num repente.

Não temos mais nossa gente

pra pelear pelo Rio Grande,

E não importa, onde eu ande,

hei de enfrentar a realidade,

pois ainda resta minha vida

pra lutar por liberdade.