Se as águas me chamarem
Bianca Bergmam
Se as águas me chamarem
Nesses remansos costeiros...
Talvez eu seja o primeiro
A me livrar das maneias,
Pra descobrir as belezas
Das profundezas do rio.
Imagino que haja peixes...
Alguns sonhos afogados...
E fantasmas tresnoitados
Perambulando na noite,
Renegando a própria sorte.
Transparências de olhar sombrio...
Se as águas me chamarem
Talvez eu vá sem ter pressa...
Ou talvez aperte os lábios
E pense mais uma vez.
Talvez, nesse meio tempo,
Eu me descubra amparado
E o amor desmesurado
Encontre a paz que eu busquei.
Ah! Se as águas me chamassem...
Seria tão diferente!
A mancha do sangue ausente
Poderia ser lavada,
No meio da madrugada,
Por lavadeiras de branco...
Em mil lágrimas que o pranto
Guardou pra um dia especial.
Mas as águas não me chamam!
Quem sabe elas não percebam
Que aqui de fora eu suplico,
Pelo murmúrio inquietante...
Que algum convite carregue
E a angústia que me segue...
Morra nas margens do leito.
Meu peito?!
Ah! Este coitado me implora,
Que seja chegada a hora
De findar esta agonia.
Que assombra dia após dia
A imensidão das estradas;
E me reporta as aguadas,
Sem me deixar entender...
Se é o rio que me persegue,
Ou eu que corro atrás dele?!
Dividindo assim com ele,
Vontades de me perder...
Me perder pra me encontrar,
Pois este não sou mais eu!
Nos rumos que a vida deu,
Quero partir e ficar...
Quero sorrir e chorar...
Quero afinar e cantar...
Os meus silêncios de rio.
Talvez as minhas raízes
Caminhem junto comigo,
Pra fincar em águas mansas
O meu futuro vazio.
Ah! Se as águas me chamassem!
Seria tão diferente...
Essa inquietude incessante
Seria chegada ao fim.
Pois assim descobriria
Ao abrir do seu sorriso,
O que o destino impreciso
Tem reservado pra mim.
Sim, ouço um murmúrio de longe.
Minha alma treme de assombro.
Talvez seja esse o dia de ver a sorte mudando?!
Ouçam todos por favor...
São as águas me chamando!
Vejo ao longe as lavadeiras,
Lavando os tempos passados...
No passo dos enforcados,
Os fantasmas fazem ronda...
E ponteando uma milonga
Algum costeiro eu já vi,
Pras bandas do sarandi,
Amadrinhando o chamado.
E eu aqui...
Olho
Nada vejo de verda
E toda a minha ansiedade
É coberta pelo breu;
Eu vejo peixes curiosos,
Pensando ter luz á mesa,
Devorando três estrelas
Que refletiam do céu...
Somente a lua ficara...
Luzindo quase apagada,
No meio da madrugada
Com raios de prata e sombras.
Então aqui na penumbra
Aperto os lábios de leve,
Neste momento tão breve
Que esperei a vida inteira...
A minha sina costeira
Enfim chegou ao final.
Ao convite eu digo NÃO!
Não a este mundo sombrio!
Me traio e escolho as maneias,
Do meu mundinho do avesso...
Escolho a vida! Não mereço...
As profundezas do rio!