Da Estância dos Cata-Ventos
BiancaBergmamm
O dia
amanheceu cinzento...
Eu não queria que fosse assim!
Queria um belo arco-íris
E as cores da primavera
Cintilando pelos campos,
Com perfumes de jasmim
Mas o dia amanheceu
cinzento...
Com
um céu tão desbotado.
Nem mesmo o sol ou uma nuvem
Vieram me visitar,
Nesta hora tão sombria
De
recordar meu passado.
Fecho os olhos nesse instante
E de imediato já lembro
Dos pães que a mãe
fazia,
No velho forno de barro,
Nos fundos do rancho
antigo
Na
Estância dos Cata-Ventos.
Consigo sentir o cheiro...
E quase sentir o gosto...
Tão raro sabor da infância,
A muito tempo perdida
E uma lágrima intrometida
Me teima em rolar
no rosto
Ela vai descendo mansa
Num vinco arado do tempo;
E ao tocar os
meus lábios
Se desfaz essa lembrança,
Pra recordar outra fase
Dar vida a outro
momento.
O gosto amargo da
dor,
Altamente concentrado
Em uma gota tão pequena
Quanto as outras que chorei;
Quando perdi os meus sonhos
Pensando ter encontrado.
Parece-me que foi ontem,
Mas já foram
tantos anos...
O tempo chegou de manso
Arando este
rosto velho,
Mas a vida passou de tiro
Fazendo poeira dos planos
Eu hoje olhando lá atrás
Vejo tudo tão diferente...
Sinto saudades do pingo,
Da peonada nos galpões,
Sentados à
Contando causos pra gente.
Sinto saudade de
auroras...
A lida do campo e a ordenha
As belas manhãs de maio,
Os domingos de carreira.
Sim... Talvez só esta saudade
Seja tudo que se tenha!
Talvez seja ela um marco,
O que sobrou desses
tempos.
Que hoje se transformaram
Em lembranças, nada
mais.
Dos velhos tempos de paz,
Na Estância dos Cata-Ventos
Foi lá que eu nasci
e cresci.
E era lá que eu
queria estar!
Contemplando o arco-íris...
E as cores da primavera...
Com perfumes de jasmim...
Quando a minha hora chegar.
No entanto estou aqui.
Não foi assim que eu
sonhei!
Será que Deus não me escuta?
Será que eu pedi demais?
Ou será que faltou fé,
Às orações que eu rezei?
Já é tão triste saber que amanhã
É o
equinócio de primavera...
E que minha vida,
portanto,
Será ceifada no inverno.
Não lhe custava Senhor
Conceber-me esta última quimera...
Eu ouço passos chegando...
E vem cada vez
mais perto...
Deve ser outra enfermeira trazendo
Agulha, remédios, só não entendo,
Pra que continuar a tortura?
Se meu triste fim
está tão certo...
Se este coração
cansado
Vai se entregando aos pouquinhos.
Se não me resta esperança,
Se onde sobra saudade...
Hoje me faltam carinhos.
E os passos vão
se chegando...
Meus olhos tristes, nublados...
Quase não vêem em frente.
Só senti quando a mocinha
Largou a bandeja na mesa
E
se parou ao meu lado.
E me disse: “-Que maravilha
de dia!”
“-Beleza rara este sol!”
E eu nada mais entendia...
Pois não via a claridade,
Tão pouco via belezas
Ou matizes no arrebol.
Ouvi um suspiro leve
E outros passos se afastando,
Na
direção da janela.
E de repente um barulho...
Um segundo... E um clarão
Em meu quarto foi entrando.
E aquele cheiro de doença
Que este
hospital exala,
Foi dando espaço aos perfumes
Das flores
que desabrocham.
E a canção dos passarinhos
Agora
meu sonho embala.
“-Ta na hora
do remédio!”
Me
diz a moça de leve.
Mas eu retruco
de soco...
Não vou tomar isso hoje!
Pode levar pra outro louco...
Alguém pra quem ele serve!
Pois Deus foi tão bom comigo
Me concedeu a quimera
Tu foste um Anjo guria
Por isso farei a ti, o meu
último pedido...
Me deixa matar inteira
Esta saudade tapera
Ah! Deus ouviu as minhas preces!
E te enviou
neste dia.
Já salvastes minha vida,
Quando abristes a janela.
Não calculas o tamanho,
De
toda minha alegria.
Me deixa morrer agora!
Sei que ainda é inverno,
Mas as geadas de agosto
Já levantaram do peito.
E o perfume do jasmim,
Será sagrado e eterno.
Eu quero é morrer ligeiro...
Eu quero é voltar nos tempos...
E assistir a primavera
Nascer de novo tão linda!
Plantado ao pé da figueira...
Da Estância dos Cata-Ventos!