ROMANCE DO PEÃO

Aureliano de Figueiredo Pinto

  

      Este tobiano de Estância

      foi o bicho mais maleva

      que o diabo inventou pra um peão!

      Zolhos de chancho, cabano,

      sargo, coiceiro, aragano,

      manoteador e bufão.

 

      Peão que chegasse atrasado

      na segunda, mui sovado

      da farra pelo rincão

      já se sabia - a sua pena

      era encilhar o ventena

      que ansim mandava o Patrão.

 

      Uma feita ... era segunda ...

      na estância .... ao clarear do dia ...

      com cara de laço novo ... cheguei ...

      já estava meu povo na mangueira ...

      E alguém gritou quando já davam cavalo:

      - Lace o tobiano capincho

      pra esse que vem dos bochincho

      do rincão do Cantagalo!

 

      Que sina! ... se eu tinha o peito

      mais puro que a Estrela D'alva

      que bico de beija-flor!

      Qual bochincho ... se eu voltava

      de ver a prenda que amava

      todo enredado de amor.

 

      Virge do céu ... será o diabo ...

      Um cristão que andou bailando

      por duas noite e três dia

      com no ouvido as harmonia

      da cordeona retrechando

      e o coração sarandeando

      numa havanera macia ...

      Nos olhos tontos sono,

      como em espelho pequeno

      aquele corpo moreno

      com crespos que o vento bate!

      E o auroma à flor e a sereno

      que vem na prosa em cochicho ...

      - Que auroma! ... Não vi em bolicho ...

      nem nos baús dos mascate.

 

      E os negro olhos ariscos

      como iraras bobeaderas

      nas poças que a seca embarra

      na sombra de um caponete ...

      E que maneia ginete

      como pealo de cucharra!

 

      Quanta coisa ela me disse

      não dizendo quaje nada!

      Quanta coisa ela entendeu

      da minha boca cerrada

      - porteira do coração!

      ... E agora, eu moço monarca,

      chego batendo na marca

      no meu ofício de peão ...

 

      Bonito! Agora acordar

      de um sonho que é um lindo engano!

      Soltar o corpo franzino

      em que envidei meu destino

      pra me trompar com o malino

      que é este capincho tobiano!

 

      Chego ... E, "Bom dia Senhores!"

      largo já meio coverde ...e me respondem - "Boa tarde!

      Dormiu nas palhas paissano!

      Largue esse! Traga o buçal!

 

      La putcha que é sesigual

      a sorte de um campechano!

 

      Vinha o tobiano no laço

      como dourado na linha!

      Ligeiro como tainha

      como traíra de açude!

      Dando mais pulos e saltos

      que um calcuta na rinha!

      Haaa! ... quanto a sorte é mesquinha

      não hai feitiço que ajude!

 

      Pra encilhá o venta rasgada

      foi abaixo de oração ...

      E já maneado e enfrenado

      foi luita pra arregla o troço!

      Rezei quatro Padre-nosso

      só pra sentar o xergão ...

 

      Cherguei a carona e os basto.

      E quanto a cincha tinia

      o infame se foi pra o céu.

      Voltou ... Tombou de boléu.

      Quaje perdendo o chapéu

      rezei quatro Ave-Maria ...

 

      E o urco como um bodoque!

      Traiçoeiro ... Olhando pra tráis,

      com a cincha no osso do peito!

      ... e eu ... le ajeitando ... com jeito ...

      por causa do capatais ...

 

      Depois de bem encilhado

      tranqueou com passo de tango

      muito mal intencionado,

      encolhido e retovado!

      Eu vi minha vida piquena ...

      Corri os olhos na chilena

      e olhei pra tala do mango ...

 

      Na voz de - "bamos moçada!"

      campeei a volta e montei

      certito e firme nos basto!

      Já o bicho se vinha urrando

      ladeadito ... se brandiando

      como quatiara de arrasto ...

 

      Nóis fumo naquela toada ...

      nessa dança desgranida

      em que um taura arrisca a vida

      só pra honrar a patacoada!

 

      Despois de focinho gacho

      garrou ladeira e decida

      na fúria despavorida

      de um touro num costa-abaxo!

 

      Me encomendei pro Senhor!

      Também pra Virgem Maria!

      Nem sei como arresestia

      ansim blandito de amor!

      E sem amadrinhador

      nesse lançante tremendo

      me fui solito ... me vendo

      mais triste que um payador! ...

 

      Rodou ... E ficou roncando!

      Quebrado! É o fim do Capincho!

      E eu ... Paradito! ... E, com tino

      a pensar desta maneira:

      - Por Ti ... A mais linda Triguera!

      Gineteio a vida intera

      no lombo do meu Destino! ...