ROMANCE DA VELHINHA DAS RENDAS DE BILROS.

Aureliano de Figueiredo Pinto

Na casa velha do rincão

Tece a velhinha centenária

Com bilros trêmulos a renda.

Jóia de fios, primor de prenda

De perfeição já legendária.

 

São cor de luar os seus cabelos.

Pálidas mãos de senectude.

Tramando os fios, ponto por ponto,

Pra si mesma escreve o conto

Da romanesca juventude.

 

Há quantos anos que trabalha

Quase a lidar maquinalmente!

Seu pensamento está distante,

Porque parou no antigo instante

Em que foi noiva de um valente.

 

E ele partiu... fogoso o pingo,

Entre guerreiros, num tropel.

Tão moço... um gesto ainda acenando!

Se era galhardo, galopeando

Junto do jovem Coronel.

 

Longe... Sumiu-se no horizonte,

Ao sol brilhando a lança e o apero!

Depois... Batalhas... E as notícias...

Morto o tenente de milícias

-Um leão no bárbaro entrevero!

 

Então, seus olhos negros, negros,

Foram das lágrimas a fonte.

Seu corpo em flor de mocidade,

Foi se sumindo na saudade...

Como o guerreiro no horizonte.

 

Seguiu fazendo a sua renda

Como quem borda uma oração.

Como os bilros tece a linda história

Daquele outubro da memória

Em que o prendeu no coração.

 

Aquele outubro... tão presente

Mesmo tão longe na distância;

- No olhar fulgia uma centelha,

no peito o aroma e a flor vermelha

da vida ardente aos sóis da estância.

 

Sofre a pensar... Nem foi possível

ao bravo em marcha ao campo-santo

condecorar no último ensejo:

- dar-lhe a medalha do seu beijo,

e a cruz-de-guerra do seu pranto!

 

Tece... revive o belo e bravo

Perfil que o tempo não destrói.

Lembra... No enlevo que não cansa:

- Valente... moço... uma criança,

para ir morrer como um herói!