PRESÍDIO MUNICIPAL
Aureliano de Figueiredo Pinto
A um brete, o presídio é
igual,
Costeando tourada alçada...
Cada osco, aspa virada,
Com fala no
"pajonal",
Na grade, aquele zum-zum...
Índio, branco, ruivo, e algum
mais retinto,
Que, poliango, presos por
simples fandango,
Culpado mesmo, nenhum...
Na sua lógica bronca, esta
prisão já demora,
Porque há tantos lá por fora,
bons tentos da mesma lonca...
Por que, metidos no ajojo, se
os outros bebem o apojo
Da liberdade sem freio,
Aqui, em ronda e pastoreio,
até entristece e dá nojo...
O que matou, peito a peito,
nenhum remorso denigre
Foi peleando, como um tigre,
se vendo daquele jeito,
E aquele ali, contrafeito,
mulato, a barba caprina
No próprio olhar se condena,
Não ví que ele cumpre a pena
pela degola da china!
E o quietarrão? Sempre
calado!
Carão fechado de cumba, mais
sério que catatumba
É o preso que menos fala,
maneado nos pensamentos...
Lembra a madrugada fria, em
que, na cama de tentos
Com quatro gritos por prosa,
Ao gauchão que o traça, e a
dona que ele queria,
Matou com raiva gostosa...
E os três ladrões de cavalo,
que estampas de gauchões!
Indo em curtos intervalos, do
extremo sul às missões,
Floriando os pingos alheios,
das tropilhas das estâncias,
Têm no peito, em corcoveios,
as ganas de um coxilhão,
De ir esbanjando as
ganâncias, comemorando as distâncias
Com tragos de um borrachão...
Mas este, ladrão de vaca, é
mais humilde que os outros!
Com fama em lombo de potros,
e mais cantor que baitaca,
Um dia, caiu no roubo...
Por proeza de moço bobo, pelo
prazer da aventura,
Cada campereada rara,
peleando com a lua clara,
Laçando com a noite escura...
Absolvido, este, agora que o
promotor apelou,
Supõe que já colocou um pé do
lado de fora...
E o seu planito compús :
Já se imagina, contente,
suando, livre, ao sol quente,
Numa lavoura de arroz...
E este aqui?!
Olhos de cobra, papo de sapo,
Batendo com os trinta anos,
se vendo, e mais uns meses de sobra
Campeão dos mais altos
pontos...
De um rancor frio, e
desalmado,
A um pai de família honrado,
Matou no mais, por dez
contos!
O índio com cara de fome, com
a bombacha no espinhaço
Com fama de bom no laço, e
uns "diz ques" de lobisomem
Entrando os campos por mel,
de noite, em desassossegos,
Co'a as pulgas nos pelegos,
de ovelhas do coronel...
E o que fez "pango"
em velório, de canha, como uma brasa,
E o outro, o mais grave
assunto...
Feriu o dono da casa, matou
de novo o defunto
Pois declarou ao perito que
era um doutor calabrês
Se vivo fosse o defunto, lá
se ía de pé junto,
Porque morria outra vez...
E aquele alto, gadelhudo, com
perfil de gavião mouro...
Foi sempre tido por touro,
por vaus, por bolicho ou cancha...
Num bochincho dos coiceiros,
lanhou chinas e povoeiros,
Com a adaga dada de
prancha...
E o criolito ligeiro,
mesquinho de um safanão!
Bueno pra encher chimarrão,
ou recolher no potreiro,
No balcão do bolicheiro se
meteu numa enrascada,
Numa noite sonhadora...
Com senha......., Dez latas
de goiabada...
Aguardando a apelação, esse
ali sempre risão,
Seu júri foi de alegria, todo
mundo meio ria,
Só o Meritíssimo não...
E o defensor, buenachão, com
um timbre de garganta,
Provou que o crime, era nada!
Tosou toda a matungada que
havia numa bailante!
Dá uma piedade tremenda olhar
tanto índio em castigo...
Cavacos, de cerne antigo, que
escorou em paz e contenda,
Da Pátria, a posse tranqüila,
Por algo, se vieram vindo,
De tombo em tombo caindo,
Até o presídio da vila!