OS GUARANIS

Aureliano de Figueiredo Pinto

 

Olho a coxilha...E os arvoredos

jogados no horizonte e na distância.

Nativos pagos! Pelas primaveras

revivem a legenda de outras eras

quando o jasuíta demarcou a Estância.

 

Os Santos-Padres, sabedores sérios,

povoam os rincões de gadarias.

E os destros índios, pastoreando

os gados,

boleavam potros nesses comarcados

de ondulantes e verdes sesmarias.

 

Louravam os trigais. E o mandiju

alvo de flocos...Almejavam campos

de lãs merinas para os rudes teares.

Na noite dos cincos, nos fogões dos lares

lucifulgiam como pirilampos.

 

Pela sabedoria dos instintos

bem previam de tudo - como e quando -

os circunspectos guaranis mais graves:

- Da seca e a guerra, pelo vôo das aves

ou a estrela cadente disparando.

 

O arado revolvendo as glebas virgens.

O erval e o horto. A disciplina. O exemplo.

Artistas e artesãos de ombros cítricos,

fervendo o ferro, modelando os sinos

ou poluindo a coluna para o templo.

 

Oficina e arsenal.Prece e exercício.

O Comando e a obediência. A vigilância.

Garimpo em monte e rio por ouro e prata

e cada Povo sobre a terra intacta

humaniza o rincão plantando a Estância.

 

E as morenas cunhãs de olhos profundos

tecendo abrigos para as Reduções.

- Humanas leivas úmidas e ardentes

em oferta ao milagre das sementes

estremecendo para as gerações.

 

Quanto patriarca índio, aos frios do inverno,

aqui, junto ao fogão, puxou memória,

de estranhos seres, misteriosas sendas,

contando as aulas das mais lindas lendas

como um provecto de História.

 

Em largas áreas a campanha ondula

em longos arrepios ao vento amigo.

É a seara. Orgulho para quem semeia.

Como um campo romano o Caaró ondeia

na excelência e fartura do seu trigo.

 

Trigo que há de ser sangue e fortaleza

e alma, naquela geração silvestre

onde a existência é um permanente risco.

E o octogenário, sobre um pingo arisco,

é um bravo bronze de escultura eqüestre.

 

Nos ervais, nos serões tostando a folha,

cada púpila à vigilância afeita

cuida a chama tranqüila dos carijos

e o olhar em fogo, de lampejos rijos,

da onça mosqueada que na treva espreita.

 

Nas longas chuvas, nos galpões, os índios

trabalham couros conversando baixo.

São maneadores para os colmilhudos.

Guascas. Aperos. Laços macanudos

de voltear touro sobre um costa-abaixo.

 

Outros, serrote e enxó, formão e trinchas,

trabalham cangas, os canzis, os fueiros

das carretas de rodas bem centradas,

que ~hão de um dia levar pelas estradas

o destino e a canção dos carreteiros.

 

Velhinha bugra os nhandutis tecendo,

contando de tacapes e garruchas

- vivos registros de sertão e pampa.

Ninando as redes prefigura a estampa

da era patrícia com as avõs gaúchas.

 

Era a Estância almenara, quando a guerra!

Pugnaz em providências e perícias,

de armas a postos na coxilha flava.

E em labaredas altas flamejava

o luminoso alarma das notícias.

 

E os jovens curumins céleres voam

nos ágeis pingos a levar mensagens.

E, como fera já ouriçada e atenta,

corre no campo que se movimenta

o arrepio do pingo nas paisagens.

 

Ah! mas não foram só exercícios e jogo

as festas de cristãos e mouradia.

Conhece a indiada...a bélica palestra:

- hábil e armada, corajosa e destra

para estas guerras de cavalaria.

 

E se vinha do Norte o mameluco,

ou se do Leste o português entrava,

a Estância e a Redução - Loyola e filhos -

padres e índios, estirpes e caudilhos,

viviam dramas de colmeia brava.

 

Sepé passou com as legiões bronzeadas,

a galopar sob o lunar da Fé.

São Jorge em cerne das Missões, perfeito,

literalmente a receber no peito

o golpear da invasão de Cayboaté.

 

É um medalhão de estátua este episódio!

O selvagem cristão provou bastante

a heróis das terras de Cavalaria,

que ele, o guerreiro bárbaro, morria

como um fidalgo cavaleiro andante.