OLHO DE BOI

                                           Ari Pinheiro

                                                                     


Quando me vim d’imbora

foi a muito custo!

Os rastros do pingo

cravados na estrada

gemiam por mim, a chamar-me de volta...

O forneiro aquietou-se na porta do rancho,

no mutismo profundo

de quem perde um parceiro;

e a sanga chorando, beijou meu cavalo

por última vez!

 

Depois, os moirões...

um a um, foram ficando pra trás...

olhando para as tramas e ouvindo do vento

que a dor da saudade

se faz mais intensa

no pó da distância!

 

Ouvindo essa charla meu pala ondulava,

num gesto de adeus às corujas do campo;

que atentas e tristes, miravam passar

mais um retirante do meio rural...

- Mais um dentre tantos

que o tempo e progresso

vomita aos punhados na estrada real,

na vã esperança de que em outros nortes

haja mais fartura e justiça afinal!

 

- Um berro perdido brotou da invernada

ecoando solito nas varas do peito...

Uma gota de pranto rolou pela face,

e perdeu-se entre os tentos

do meu barbicacho...

Olhei sobre o ombro ainda uma vez...

Meu pago sisudo acenava esperando

que lá, mais adiante, o remorso batesse

e eu desse de rédeas,

voltando pra trás.

Porém, por teimoso, esporeei meu cavalo;

A estrada se abriu e afundei no horizonte,

rumo ao olho-de-boi

que chamam cidade...

 

Um sol colorado timbrava meus nervos

e gritei para os ventos que iria vencer!

- Que a fibra e a coragem moldada nos campos

me fariam de ferro entre os meus iguais;

Que o tal de progresso jamais dobraria

esse cerne curtido por mil temporais!

 

- A la fresca, parceiros!!!

 

- Bravatas de moço! Menti pra mim mesmo!

Meu grito sem ecos perdeu-se no asfalto,

entre becos e vilas

que herdei por aqui!

- Quando é que eu podia pensar

que essa tal de cidade

- vestida de luz –

escondesse em seu ventre

tamanha frieza?

- Eu, que deixei o verde dos campos,

os banhos de sanga,

e a roda fraterna do fogo de chão!

 

- Fui morrendo devagar, um pouco por dia...

... os meus iguais que esperava encontrar,

com sorriso no rosto e cuia na mão;

Com bolicho sortido nas ruas do povo

e lugar pra o descanso do meu alazão,

viraram fumaça entre o casario...

- Parceria povoeira é pura ilusão!

 

E assim, fui ficando...

... e o tempo cobrando, dia por dia,

seu árduo quinhão...

 

- Primeiro o cavalo,

depois minhas pilchas.

Tudo vendido a troco de nada!

Até as mágoas que canto

nas horas de ausência,

bordejo nas cordas

de um pinho emprestado!

 

- Olha parceiro, aqui é bem assim...

 

Ninguém quer saber desses deserdados

que mateiam as caúnas de seus desalentos,

vivendo solitos, vagando sem norte,

à margem da vida, sorvendo relentos...

 

- Mas hoje...Hoje um ventito do sul

arrepiou de repente meus nervos cansados!

Na quincha celeste a “boeira” luzindo,

piscou para mim, como antigamente...

- É o chamado da terra! É o grito do tempo,

dizendo que um dia tudo tem fim!

- O vento encontrou-me entre ferro e cimento,

e avoengas raízes rebrotam de mim!

 

- Deixem-me partir, ajudem-me a voltar

ao pago terrunho de minha mocidade...

...não quero findar assim atolado,

neste “olho-de-boi”

chamado saudade...