BREVE ROMANCE DOS DESPACHADOS
Ari Pinheiro
Quero que saibas, meu irmão
de trago,
que nesta noite quase dia
compartilhas deste balcão;
que esta estampa judiada
de andarilho
sem rumo
é o rascunho de um passado
que o próprio tempo apagou...
Estes cabelos mouros- acredite-
já foram asas centauras
que suas vinchas prendiam
nos dias de marcação.
-Estes braços tremelicantes
Fiapos de nervos cansados,
já foram cernes de angico,
garras de aço nas tesouras
das tosquias de Santana!
Repara bem parceiro,
neste tento que me serve de guaiaca,
prendendo mal e mal
este resto de bombacha...
...ele já foi parte de um
laço de treze braças.
que num armadão fachudaço
jamais “encharutava”.
indo aninhar-se tranqüilo
nas aspas de um touro pampa,
destes que fazem “rosca na cola”
quando um pingo cruza o rastro
nos rodeios do Rio Grande!
E estes olhos sem brilho
que a catarata nublou,
parece mentira que foram faróis
de cruzar distâncias
e alumiar lonjuras
em tantas noites de ronda,
quando as tropas faziam estradas
nas planícies de Aceguá!
É bem verdade que cruzei
fronteiras,
risquei caminhos, picaniei o
destino
e busquei progresso...
...mas sempre para os outros!
Não tive tempo para mim
porque na faina campeira
o suor vale muito pouco
e o tempo sempre é contado
pelo relógio do patrão...
E assim parceiro,
quando estas pernas
fraquearam
e não pude mais ginetear,
contrataram outro torena
e eu herdei o corredor...
Por algum tempo
changuiei uns pilas
mirrados,
que me davam, mais por pena que por paga,
gente que me vira monarca
culatreando tropas
e engordando as burras
dos barões do pampa...
...depois me afundei na vida,
já sem cavalo,
(o meu
morrera cedo, talvez por desgosto
de ver o dono em frangalhos)
vendi as garras por poucas patacas,
já que a mim não sobram nem galpões
pra guardar trastes...
Da mitológica figura de
centauro andante,
do laçados, ginete e tropeiro,
do cirurgião das mangueiras
que castrava por um trago de cachaça,
dele, nada mais resta...
Talvez a tua figura, irmão de
trago,
recém chegada do campo,
tão esfoliado quanto eu,
tenha acordado em meu peito
uma réstia de nostalgia...
A nós, parceiro,
resta o esquecimento dos bolichos
E a parte pobre de cemitério
numa cruz sem inscrição.
...pois aos parias não se
acendem velas,
já que a solidão não gera filhos
e nem netos pra chorar.