A LIÇÃO DAS COVAS

Ari Pinheiro e Juarez Fialho

 

 


Há nesses fundos de campo

cenas que evocam mistérios,

não sei que estranhos critérios

a natureza define,

pra que a vida não termine

nas cruzes de um cemitério...

- Talvez a herança do gen

que vem por baixo do couro,

que deixa o cabelo mouro,

marcando o trote da idade,

explique a finalidade

que tem as covas de touro...

 

Na entrada da primavera

quando se achega o rodeio,

um touro em campo alheio

acaba virando vaca,

se escapa ao fio da faca

o chifre lhe atora no meio!

Pois quando um macho brasino

um bufo desenrodilha,

como um laço na coxilha

- Rude aviso pra os demais!

Desperta seus ancestrais

nos ramos das corunilhas...

E mil fantasmas se acercam

desse fortim ilusório,

para uma mão de “ajutório”

ao companheiro que cava,

um filho da terra brava

marcando seu território!

E as covas se multiplicam

pontilhando as invernadas,

como a guardar a manada

contra o sangue do estrangeiro

como um mangrulho campeiro

brandindo lanças afiadas!

 

É o atavismo dos guapos,

xucro mister dos rudes

ter na própria solitude

a confiança e a certeza de

que sempre a natureza

no tempo feio lhes ajude...

E hai um tempo pra tudo

segundo o dito fronteiro,

hai tempo de ser “inteiro”

e escapar a fio da faca,

pois hai um tempo que as vacas

precisam parir terneiros...

E as covas já não importam,

estão num tempo passado,

o fortim improvisado

se perde no pajonal,

no viço do pastiçal

que é vitamina pra o gado...

Na tela verde dos campos

são estranhas cicatrizes,

onde nervosas perdizes

vêm a procura dos filhos

que se perderam do trilho

por seus infantes deslizes...

 

... Depois a tropa se vai

como um enxame de abelha,

deixando atrás a centelha

da animalesca cultura,

como toscas sepulturas

sangrando a terra vermelha...

... E o andante se pergunta

o porquê desse ritual,

sem saber que é natural

tudo que da terra emana,

- Se temos razões humanas,

também as tem o animal...

 

Talvez seja até um lembrete

que deixam os animais,

para nós, pobre mortais,

que nos julgamos maiores,

e muitas vezes somos piores

que os ditos irracionais;

Pois mesmo o touro bravio

berrando ao amanhecer,

só briga pra defender

por instinto seu rodeio,

não cobiça o campo alheio,

- e nunca mata por prazer!