BAILE CRIOULO
Arabi Rodrigues
Voltava de uma tropeada
Montado num baio ruano,
Guasqueado pelo Minuano
Que sopra no mês de julho.
De repente ouvi um barulho
D’uma gaita resmungando,
E a negrada sarandeando
Num fandango de campanha.
Biquei na guampa de canha
E a tranquito fui chegando.
Meu patrício- nem te conto!
Era o bochincho dos “buenos”.
Dançava grandes, pequenos!
Dançava negro e mulato!
Mulher bonita era mato
Como nunca tinha visto!
Coisa assim eu não resisto.
Me solto e saio do sério,
Porque até mesmo gaudério
Também é filho de Cristo!
Em baixo d’uma figueira
Deixei meu baio encilhado!
É como diz o ditado:
O seguro morreu de velho,
Com macho não me emparelho,
Mas por mulher me desmancho.
Em todo baile de rancho,
Ali pela madrugada,
Se alguém perde a namorada,
Sempre culpam o carancho.
Bem cuidado pelo dono
Todo o negócio - dá lucro,
Que me importa o vento xucro
Rebolcando na quincha.
Se o defeito que me cincha:
É canha, gaita e mulher,
Seja lá o que Deus quiser
Total - não crio em assombro,
Boleei o pala para o ombro
Disposto o que der e vier.
Nem bem roncou a cordeona,
Já fui tirar uma china,
Mulata cintura fina
E a crina sobre a minguinha,
Perna lisa redondinha
E um olhar de caborteira.
Se veio toda faceira,
Torcendo a ponta da trança!
Num andar de pomba mansa
Saiu marcando a vaneira!
Ali pela meia noite,
Fui tomar uma gasosa
E ouvi por longe uma prosa
Que me deixou desconfiado.
Um pardo mal-encarado
Largou pra mim uma piada,
E mesmo sendo barbada
Eu ponho a barba de molho.
Coringuei de rabo de olho
E fingi que não vi nada.
“Despacito” fui saindo,
P’ra conhecer o terreno,
Porque touro em pago”ayeno”
Berra fino como vaca.
Até valente se achaca,
Quando vê carreta cheia.
“Senta, berra e corcoveia
que nem gato de acabresto”,
Procurando algum pretexto
P’ra não entrar na peleia!
Mas quando cheguei lá fora,
Que vi meu baio tosado,
Foi como terem me dado
Um pranchaço pelas costas!
Vingança foi a resposta
Que me veio na ocasião!
Ferro branco nesta mão,
E na outra enrolei o pala
E rumbiei direito á sala
Em busca do valentão.
“Lá-pucha” – que coisa feia!
É negro quando embrabece,
Parece o diabo que desce,
Escarceando e dando volta!
-O pardo o facão me solta,
Que por pouco não me pega!
E dizem que a sorte é cega,
Não é verdade, lhe juro!
Gaudério de sangue puro
A boa cria não nega!
Senti que o pardo não era
De laçar com sovéu curto.
Quem rouba e não leva o furto,
Merece em dobro o castigo!
A velha adaga - comigo,
Saiu meio atravessada,
Já vi branquear a queixada
E aparecer ás canjicas:
Que nem louça quando fica
Com restos de marmelada!
Inda tem gente que pensa
Que ferro branco é brinquedo!
De morrer, não tenho medo,
Morrer mal é que me assusta!
Sabe Deus quanto me custa
Peleguear mais um inferno!
Me vi trocando de terno,
E o mundo se terminando,
E o diabo me convidando
Pra visitar o inferno!
Tirei pra fora o porteiro
Bem calçado num trinta e oito!
-Coragem não é biscoito
Que se compra no varejo!
Quando em perigo, me vejo,
Com São Francisco me saio!
Toquei fogo no balaio!
E saí quebrando geada
Co’a mulata enforquilhada
Na garupa do meu baio!