ROMANCE DO PINGO D' ÁGUA
Apparício Silva Rillo
A filha moça, mocita,
na garupa de um gaudério
pelo mundão se rolou.
A mãe, triste, se pergunta,
se indaga se foi pra isso
que a pariu e que a criou.
O olhar de insônia e de
pranto
se afunda na várzea longe
- nesta várzea fim de mundo
por onde a filha se foi.
O pai, xiru quietarrão,
ferido muito por dentro
sofre a um só tempo por ele,
pela filha e a mulher.
E a mágoa é tanta, tão
grande,
que quase nele não cabe.
Riscando dois regos claros
se derrama pelos olhos
para lembrar-lhe, na boca,
gosto de cinza e de sal.
Quem disse que homem não
chora
não teve filha roubada
por um gaudério qualquer.
O pranto nasce dos olhos
mas é cego, não distingue
se esses olhos donde brota
são de macho ou de mulher.
E no silêncio do rancho
donde ausentou-se o sol claro
do riso da moça filha,
pinga que pinga a goteira
mal remendada do oitão.
Como se a chuva, entendida
da mágoa dos dois velhitos,
lá dos olhos da goteira
pinga-pingasse aos pouquitos
para chorar junto aos dois.
A mesma chuva - culpada! -
que apagou no pó da estrada
o rastro da que fugiu.