ROMANCE
DO MOURO VELHO
Apparício
Silva Rillo
Despionei-me, da última fazenda
que nem para patieiro eu já servia.
Velho, sofrido, sem china para arrimo,
eu sou uma luz de boieira ao fim do dia.
Deixei atrás, meus braços de tronqueiras
toda uma dádiva de nervos e de músculos.
Madrugadas que fui, sóis que gastei,
só me restam cansaços e crepúsculos.
Arreio ...as costas, meu cavalo morto,
carrego sombras num surrão... de nadas.
Gaúcho a pé, barbudas alpargatas,
rastreio o pó vermelho das estradas.
Era mouro o meu flete, o que morreu.
Quando a estrela morria no poente
olhou para a querência de onde veio
e o sol sangrou-lhe o coração... de frente.
Passei-lhe as mãos na tábua do pescoço,
acariciei-lhe o veludo do focinho
e recolhi seu último relincho
que morreu como um clarim pelos colmilhos.
Era tudo dos nadas que não tive
este mouro das minhas excelências,
basteriado de andar batendo cascos
pelos rumos de todas as querências.
Nem um facão pra cortar dois galhos
e plantar uma cruz para o meu mouro,
que só tinha o seu dono por amigo
e o ossamento a lhe estaquear o couro.
Mas há de haver um céu para os cavalos,
onde renasçam para ser potrilhos,
onde galopem livres dos arreios,
com relinchos sonando nos colmilhos.
Arreio as costas, meu cavalo morto,
por sobre os olhos, a sombra do chapéu,
enxugo ao vento lágrimas de macho
enquanto o mouro galopa para o céu.
Solito agora, estradeio léguas,
sofrendo ao sol um patacão de ouro,
esperando que a morte me convide
para a querência onde levou meu mouro...