POEMA
CIRCULAR
Apparício
Silva Rillo
Não,
não
me procurem mais
no
meu velho endereço lá no campo.
Eu
estou me mudando,
eu
estou de mudança
estou
mudado.
Compreendam:
no
meu velho endereço lá no campo
só
me havia ficado o coração
-
já menos moço para os frios de agosto,
-
para os ventos parados do verão.
O
resto:
braços,
pernas,
mãos,
tronco e cabeça -
há
muito tempo pagava fretes
num
caminhão de carga que os trazia
pela
fita do asfalto,
de
um a um.
Claro,
vim
aos pedaços,
como
resistindo.
E
quanto resisti!
Partido,
repartido,
a
metade de lá chamava a outra
que
tinha se mudado para aqui.
Eu
ia.
e
no meu velho endereço lá no campo
estava
a bombacha vazia
(no
espaldar da cadeira
e o
como é triste a bombacha vazia de seu dono!)
E o
chapéu sem cabeça, nos cabides,
um
lenço colorado sem pescoço,
as
botas paralíticas
junto
ao penico de louças, sob a cama,
- o
meu jeito de andar perdido delas.
Não,
não
me procurem mais
no
meu velho endereço lá no campo.
Eu
estou me mudando,
eu
estou de mudança,
estou
mudado.
Trouxe
nas malas anos de recuerdos:
as
esporas do avô, um mango retovado,
uma
franja de pala, um barbicacho,
um
estribo sem loro, uma cambona,
uma
panela com terra,
um
boizinho de argila, que não berra
e
um cavalo de ventos para andar.
Tudo
isso nas malas!
Elas
que são o avesso da gente,
porque
são íntimas de nós,
e
nos carregam.
Não,
não
mandem mais
a
meu velho endereço lá no campo:
livros
de versos, discos e romances,
revistas
e jornais.
Nem
aviso de amigos que morreram,
nem
notícias de netos que chegaram
como
o menino Jesus, pelos Natais.
Tudo
isso:
-
vinho de alma, pão para a matéria -
tem
um novo endereço de remessa:
uma
casa de brisas e tijolos
numa
cidade que eu amei depressa
pelas
raízes campeiras, que ainda encontro
nas
ruas de seus bairros e travessas.
Ah,
quanto cantei
-
de alma limpa e boa boca,
em
salmos e protestos e orações -
o
meu terrunho onde deixei plantado
o
que tive de melhor no coração!
Um
dia, os que virão
hão
de saber que estanciei por lá,
nessa
casa amparada por retratos
que
vigilam na sombra como guardas
de
uma herança que eu não sei quem herdará!
Na
casa,
fiéis
como esses gatos que não mudam
embora
se mude o dono e vá-se embora,
estarão
os meus livros e a vitrola
para falarem por mim - pelas cantigas...
E
assim me hão de encontrar os que saudarem
nos
portais do terrunho, ó Ó de casa!
Que
no meu tempo escancarava portas
e
abria corações para os andantes.
Não,
não
me procurem mais
no
meu velho endereço lá no campo.
Eu
estou mudado,
eu
estou de mudança,
já
mudei!