PIPA D'ÁGUA
Apparício Silva Rillo
Sobre um rodado leve de
carreta,
puxada por um petiço
mui velho, lerdo e maceta,
esta pipa veterana
- no inverno cada semana
e no verão diariamente -
cobria meia légua de distância
no santo ofício de suprir a estância
com a pureza das águas da vertente.
Assim foi
anos a fio...
E fruto dessa constância,
dessa labuta sem tréguas,
no estirão da meia légua,
entre a vertente e a estância
se cavaram muitas trilhas.
E assim, olhadas de longe,
serpeando pelas macegas,
mais parecem cobras cegas
subindo pelas coxilhas.
Certo dia,
uma estranha geringonça
levantou-se na paisagem.
E a velha pipa, de volta
da derradeira viagem,
foi deixando um rastro d'água
respingado no capim.
Rebenqueada pela mágoa
a velha pipa andarenga
chorava o seu próprio fim.
Agora,
exposta à sanha do tempo
devagar se desmantela.
Ninguém mais se lembra dela
nem lhe reclama o serviço.
E aquele velho petiço
- seu companheiro de luta -
afastado da labuta
consumiu-se de desgosto.
Morreu quase ao lado dela
num fim de tarde de agosto.
Velha pipa! velha pipa!
dá-me pena ver-te ao léu.
Atirada, sem cuidados,
com os varais levantados
apontando para o céu.
Velha pipa! velha pipa!
são dois braços que suplicam,
esses teus magros varais.
Em vão, em vão, pipa d'água!
porque alheio à tua mágoa,
indiferente aos teus ais,
o esguio moinho-de-vento
girando ao sopro do vento
te responde: - Nunca mais!