PALAVRA E CRUZ

Apparício Silva Rillo

 

Escolho por chamar-te Nazareno

para falar contigo frente a frente.

Aliás, como sempre faço, quando cruzas

nos dezembros de sóis à porta do meu rancho

e antes do Ó de casa! eu te convido:

-Apeia!

 

Há em ti um quê de amargas mágoas

-caraguatás de banhado a te arranharem.

E sei, embora bruto,

bicho do campo que sou, travestido de

homem,

de que raiz brota a tristeza que pressinto

no azul-lagoa de teus olhos mansos.

 

É que passas cada dia a minha vista,

a pouca braças dos portais do rancho

frenteando a estrada que te leva e traz.

E apenas uma vez em cada ano

-no dia de Natal -

eu te convido para um mate breve

cevado pela mão da companheira.

 

E falamos tão pouco, Nazareno,

mais por silêncios do que por palavras!

E nelas, nas escassas que te brotam

no coração para os lábios, como um sopro,

me conta que vem mermando teu rebanho

-ano após ano -

e cada vez menos amigos te convidam

na voz fraterna do Apeie! Passe adiante!

 

E dizes que ao contrário de outros tempos

-longínquos como a Estrela que te guia -

a tua marca de campeiro pobre

-a mais simples das marcas, uma Cruz -

quando surge do íntimo dos homens

é para luzir em metal sobre seus peitos,

símbolos de vaidade e não de fé.

Volta-me a cuia e tua voz me volta:

 

"Esses que a usam sobre suas véstias

não a levam pela Cruz, mas pelo adorno.

São eles meus cordeiros desgarrados

do rebanho que foi grande em outras eras,

apascentando em largas sesmarias

de aguadas frescas e trevais em flor,

-hoje um potreiro de guachos desmamados

que ainda creem no caminho que assinalo

com meu cajado de irmão e de pastor."

 

Um mate para o estribo.

Tua mão leve me abençoa.

Teu sorriso de triste e tu na estrada

ao tranco viajeiro de um burrinho

no rumo encandescido do poente.

 

Cada vez mais pequeno o Nazareno.

De longe, o seu aceno:

o pala branco, a asa de um adeus.

 

Minha cruz de couro-cru sob a camisa

dói-me na pele,

me constrange o tordo.

Arranco-a do peito, num tirão.

-Cordeiro desgarrado não tem marca!

 

Meu grito é como um chumbo de garrucha.

 

Alto,

o azul-escuro rompe-se a seu eco

e dos flecos do poente a estrela Vésper

desce do céu e pousa-me na mão.