O
Sermão da Coxilha
Aparicio Silva Rillo
Nazareno, o andarengo:
Melena
sobre as espáduas, olhos azuis de céu limpo
Na
sua cara afilada como que feita em madeira,
Bigode
de asas caída e a barba ruiva no queixo,
Bombacha
de brim riscado com alguns remendos cosidos,
Camisa
branca de paz e a volta-e-meia da faixa
Cingindo
a cintura magra,
Nos
pés de varar distâncias as alpargatas barbudas
E
como pombas voando as mãos morenas e ossudas...
- Um vagabundo !
Resmungam
os gordos latifundiários.
-
Um
Agitador !
O
decifram chefetes e comissários...
Sobre
estas vozes
A
voz dos que fazem do silêncio
Trincheiras
de resistência.
-
Nosso Ermão !
Diz
a Querência
Pela
garganta dos pobres.
Nesses
milhares de bocas
Que
roem a desesperança,
Quando
o chão das sesmarias
Lhes
negam nacos de pão...
À
sua sombra caminha a deserança
Dos
que nasceram para ser ninguém:
Campeiros
despionados,
Vilhos
dados por refugo,
Piás
brincando sabugos,
Mulheres,
mães de piás...
De
pé sobre a pedra moura
Nazareno,
o Andarenho.
Levanta
as mãos desarmadas
E a
sua voz de guitarra
Timbra
de si, lá da fralda
Desabada
da coxilha:
“ –
POBRES DE BENS E ESPÍRITO VOS CHAMAM
OS
PODEROSOS SEMPODER NENHUM...
MAS
HÁ UM REINO QUE É VOSSO E VOS RSPERA
NUMA
TERRA QUE HERDAREIS, POR NADA TERDES,
SENÃO,
AS CARNES QUE VETEM VOSSOS OSSOS
E
ESSA ESPERANÇA QUE VOS MATA A FOME...
- A
VÓS PERTENCE ESSA ESTÂNCIA
DE
LÉGUAS DE SESMARIA.
A
BRAÇO ALGUM HÁ DE FALTAR SERVIÇO,
NEM
HAVERÁ PATRÃO PARA COBRAR-VOS
O
OURO DE VOSSO SUOR COM QUE SEUS BOIS ENGORDAM,
A
FORÇA DE VOSSAS MÃOS A EMBANDEIRAR ESPIGAS.
-
SEM QUE O POSSAIS ENTENDER, SOIS VENTUROSOS
EM
VOSSAS AFLIÇÕES, VOSSAS ANGÚSTIAS.
E
PORQUE A MANSITUDE E A HUMILDADE VOS REVESTE,
HERDAREIS
OUTROS BENS QUE NÃO AQUELES
QUE
VEDES NAS MÃOS DE GARRA, DA USURA...
-
VOSSA FOME DE IGUALDADE E DE JUSTIÇA
SERÁ
SACIADA, COMO A DO FAMINTO
QUE
ENCONTRA À MESA POSTA, VINHO E PÃO...
E
POR MISERICORDIOSOS, FLUI DE VÓS
A
ÁGUA LIMPA DA FELICIDADE
QUE
VOS DARÁ MESERICÓRDIA POR BEBER.
POR
PUROS DE CORAÇÃO VEREIS A DEUS
E
SEREIS CHAMADOS SEUS FILHOS,
MEUS
IRMÃOS !...
-
PORQUE A PREGAÇÃO DA PAZ É VOSSO CANTO,
VOSSA
CORDEONA DE ESPANTAR PESARES
PARA
REUNIR IRMÃOS EM BAILE DE RAMADA.
E
PORQUE VOS PERSEGUE A INJUSTIÇA DA JUSTIÇA,
HAVEREIS
DE REGUER UM DIA VOSSO RANCHO
NO
SÍTIO QUE ESCOLHEREIS EM SUA ESTÂNCIA,
ESSA,
QUE O PAI DESTINOU AOS OFENDIDOS,
AOS
CALUNIADOS POR ME ACREDITAREM
E
OUVIREM MINHA VOZ, COM A UM CINCERRO
TIMBRANDO
BRONZES PELA MADRUGADA...
-
IMAGINAI OS RINCÕES ONDE IREIS ESTANCIAR:
TREVAIS
E SOMBRAS, SANGA CANTADEIRA,
LEITE
DE APOJO, PÃO DE FORNO E MATE
BORDÕES
DE BRISA A SALMODIAR TOADAS,
DESSAS
QUE FALAM DE TERNURA E PAZ !...
-
HÁ DE SER ESSA AVOSSA RECOMPENSA,
A
VÓS, DESPIONADOS DA FORTUNA
QUE
NADA TENDES MAIS QUE VOSSO CORPO.
MAS
SOIS, SEM QUE O SABAIS, O SAL DA TERRA,
A
LUZ DO MUNDO NA CHAMADOS CANDIEIROS
A
ILUMINAR O CAMINHO, PORQUE VINDES
A
ESCUTAR MINHA PALAVRA, TIMBRE E ECO
DO
VERBO DE MEU PAI, DE QUE SOIS RAMA !...
- E
NÃO VOS PREOCUPEIS COM VOSSAS PENAS,
NEM
COM VOSSO EXTERIOR, QUE APENAS VALE
O
QUE LEVAIS NO ÍNTIMO E POR DENTRO !...
-
ASSIM, VOS VÊ MEU PAI E HÁ DE PROVER-VOS
E
AMAR-VOS TANTO COMO A MIM, - SEU FILHO,-
FEITO
A VOSSA FIGURA E VOSSO IRMÃO...”
Foi
denunciado, foi preso.
Motivo
: Subversão...
Do
campo para a cidade
Seu
rancho novo : A prisão...
Um
perigo à Segurança
Pregando
a reforma agrária
Numa
terra de abastanças...
-
Quem é teu chefe, onde mora,
Quem
financia teus planos?
Quem
te mente nestes panos
Como
um peão viramundo???
“ –
TENHO PAI, NÃO TENHO CHEFE,
E
ELE NÃO É DESTE MUNDO... “
- E
ainda se faz de louco !!! –
À
bofetada na face,
Sorriu
com dentes de sangue
E
outra face ofertou-lhes
Aos
partos da violência.
Queimam
brasas de cigarro
Seu
corpo de penitências...
-
Este é dos duros, não fala !
E
então, cuspiram-lhe a cara !...
Como
um borrego carneado
Foi
suspenso como um trapo
Nas
traves de, um PAU-DE-ARARA !...