DE COMO FAZER UMA BRUXINHA DE PANO ( E ALGUNS
CONSIDERANDOS)
APPARICIO SILVA RILLO
Claro, são necessárias
- Embora não fundamentais -
As coisas que chamamos
materiais:
- retalhos, sobras de lã,
Paina ou palha picada para
encher o corpo,
Um par de agulhas,
Linha branca e preta.
De três cores, pelo menos, o
retrós:
Para os olhos, as
sobrancelhas e a boca.
Ah, e uma tesoura
!
De preferência uma tesoura
antiga
Dessas de uma parda pátina na
lâmina.
Uma tesoura que haja cortado
umbigos de criança
Entre outros quefazeres das tesouras antigas.
Eis aí o necessário,
O material estritamente
necessário
Para fazer-se – como se deve
fazer –
Uma bruxinha de pano.
Lembrem-se
Que eu falei antes no
fundamental.
Sem a ciência,
Sem a riqueza do fundamental
Ninguém faz uma bruxinha de
pano que se preze.
É preciso coração para fazer
uma bruxinha de pano.
É preciso que haja um século
de avós,
É preciso que haja um século
de mães,
É preciso que haja um século
De velhas empregadas
resmungonas,
É preciso que haja um século
De sentimentos de maternidade
Para fazer-se,
Como se deve fazer,
Uma bruxinha de pano.
É preciso mais:
Que haja uma herança
intemporal de rugas e trabalhos
Nas mãos que fazem uma
bruxinha de pano.
Que essas mãos venham de
outras mãos
Hábeis para fazer o pão,
Mansas para a ternura e para
a reza.
É preciso que frente aos
olhos
De quem faz uma bruxinha de
pano
Haja uns óculos de lentes
redondas em seus aros de ouro
Por onde se possa ver para
dentro
E não apenas para fora.
É preciso que o corpo de quem
faz uma bruxinha de pano
Resguarde o íntimo calor das
reuniões de família
Ao redor da grande mesa de
jantar
- antigamente.
Claro,
São necessários
Mas não fundamentais os
materiais.
Ela precisa de alma, a
bruxinha,
E alma é tudo o que a pouco
alinhavei.
Alma é memória,
Uma inscrição na pedra,
Uns olhos grandes, uns
bigodes no retrato
E o tempo nas feridas da
moldura.
Não, não vos arrisqueis a
fazer uma bruxinha de pano
Se não tiverdes alma para
fazer uma bruxinha de pano.
Melhor fareis se comprardes
uma boneca de material
Sintético,
Dessas que se fazem aos
milhares
Nas fábricas multinacionais
de brinquedos de plástico.
Dessas bonecas que choram,
Que riem,
que andam e que falam,
Tão aparentemente iguais a
nós, humanos,
Com traços de criança
copiados tão perfeitamente
Que nem parecem bonecas.
Parecem, na verdade,
O que talvez sejamos um dia
em nossos netos:
- criaturas feitas em série,
filhas de provetas,
programadas
por um computador que terá outro nome
que não o nome de Deus.
Ou quem sabe se até nome de
Deus,
Se os homens forem tão loucos
em si
Para chegarem tão longe de
si,
Tão distante de Deus.