C O N T R A B A N D O
Aparício Silva Rillo.
Vai o barco de farinha
cruzando o velho Uruguai.
Vaqueano dessas cruzadas
vem na popa um índio moço
manejando o varejão.
Vem atento e vem pensando:
Vou deixar do contrabando,
não e vida pra um cristão.
Hoje eu vim porque o menino
deu sumiço na chupeta
e aquele piá trompeta
saiu louco de chorão...
Sorri o moço da popa
porque no bolso da roupa
traz o bico pro piá.
Ouve um tiro, de repente,
vindo da banda de lá!
Foi o tiro de sinal.
Já no mais o tiroteio
se acendeu no macegal,
pipocando seco e feio
como entrechoque de guampas
no entrevero do rodeio
no dia em que se dá sal.
Mala suerte!
O barco vinha chegando,
e a cargo do contrabando
com mais dez braças de rio,
tinha subido a picada,
da picada pra carreta,
e daí pro caminhão.
Ouve um grito de: - Lã fresca,
o Nico se lastimou!
Mas ninguém botou tenência
no sentido deste grito,
porque a coisa vinha preta
sob o tendal de balaços
que a guarda ajena estendeu.
Cada bala que cruzava
debochava de assobio!
Quando o barco deu no porto
no lado de cá do rio,
o pessoal ganhou o mato,
na picada se sumiu.
O barco ficou sozinho
na madrugada e no rio.
Digo mal: ficou o Nico
sobre um saco de farinha
que um balaço espedaçou.
Tinha um lenço maragato
na brancura da farinha
onde o índio se apoiou.
Foi quando a manhã surgiu,
mostrando o sangue do Nico
pingando dentro do rio ...
Menino, cala esta boca,
não demora chega o Nico,
vai-te trazer outro bico
que é pra tu não chorar mais.
Veio a manhã, veio a tarde,
veio a boieira luzir.
Veio a noite grande e morta,
A china veio pra porta,
E nada do Nico vir!
Veio um dia,
mais um dia,
veio outro dia depois
Ao pé de uma lamparina
vela em silencio uma china
que de chorar se cansou.
Numa cama de pelego
choraminga sem sossego
um piazito babão.
Choraminga! Choraminga!
... porque o pai não trouxe o bico,
e o que tinha se extraviou ...